"Presidente Dilma, o relógio está correndo"
Os presidentes acham que têm quatro anos para governar. Alguns pensam ter oito. Mas, para produzir resultados, esse tempo é muito mais curto. A grande chance de Dilma está em 2011, como mostram as pesquisas. Austeridade de comportamento, despreocupação em repetir Lula e seus trejeitos únicos, independência de ação na frente externa, todos são atributos que qualificaram Dilma, desde logo, como alguém capaz de produzir e entregar uma agenda própria ao país. Mas qual?
Eis a questão principal dos 100 dias: desvendar a efetiva agenda do governo de Dilma Rousseff. Não ficou claro, até agora, para onde navega o barco presidencial. Numa pesquisa qualitativa feita com o público de um evento da Fecomércio (a federação dos empresários de comércio, serviços e turismo), Dilma saiu-se bem, quando comparada ao governo Lula, e com desempenho razoável, quando cotejada com suas promessas de campanha. Mas, quando seu desempenho é ombreado aos desafios imediatos (inflação, déficit fiscal, câmbio afundando) e, mais ainda, quando avaliada sua agenda de longo prazo para o país, o saldo positivo de respostas do público cede lugar às dúvidas. A posição atual da sociedade parece ser de atenta expectativa em relação à presidente.
O tempo de Dilma começar a mostrar jogo se estreita a cada dia. Ela não tem os longos 1.460 dias de seu mandato para contentar eleitores. O ano ideal para se firmar na liderança do país com uma agenda própria é este mesmo, antes que a esperança e o otimismo reinantes sejam abalados pelo jogo pedestre das eleições municipais no próximo ano, e que comecem as especulações políticas sobre as novas chapas na disputa geral de 2014. O ano de 2011 ainda oferece a Dilma a vantagem de ser uma corrida apenas contra ela mesma.
Em grande parte, é também uma corrida contra a herança econômica, boa e má, que Dilma recebeu. O pior legado de Lula, na economia, é o enorme buraco fiscal que deixou para a sucessora, muito mais difícil de tapar do que se afirma rotineiramente no noticiário corrente. A presidente teve de quase paralisar novos gastos de custeio e capital nestes 100 dias. Há restos a pagar espalhados por todos os ministérios. São bilhões de reais em despesas contratadas na gestão Lula para saldar este ano. Por causa disso, o PAC 2 ainda é uma miragem no deserto de investimentos novos. O relógio da Copa continua parado. Enquanto isso, os compromissos de dívida não param de crescer, por efeito de uma política equivocada de combater inflação com aumento de carga financeira, num país em que o devedor-governo enfrenta juros calculados ao dia, como se fora um péssimo pagador. Em 2011, a rolagem da dívida federal não custará menos que R$ 220 bilhões, uma cifra de encabular o mais empedernido escroque financeiro.
Tem jeito? Óbvio que as escolhas de Dilma não são fáceis. Ela precisa garantir um crescimento sustentado, que não acontecerá no ambiente de desequilíbrio fiscal crescente. Portanto, a essência de sua ação imediata deveria fazer todo o “mal” de uma só vez, exigindo mais que um simples corte de verbas, mesmo um da ordem de R$ 50 bilhões. Para inverter as expectativas de um mercado disposto a duvidar de sua agenda, não basta dar entrevista, mas sim anunciar uma nova governança para o gasto público nacional, em todos os níveis. Ela tem a sua disposição uma arma do mesmo calibre que representou o anúncio da criação do Copom, em 1999, na guerra contra as expectativas inflacionárias. Dilma pode fazer uso do disposto no artigo 67 da Lei de Responsabilidade Fiscal, ao mandar votar um Conselho de Gestão Fiscal – previsto na lei, mas só no papel – que tenha, no campo fiscal, o mesmo impacto de controle antecipado que teve o Comitê de Política Monetária sobre a inflação. Essa é apenas uma ideia, de grande alcance e efeitos quase imediatos. Outras tantas são viáveis, bastando querer confrontar a máquina do atraso. A hora de o novo governo mostrar todo o seu potencial é agora.
Autor: Paulo Rabello de Castro
Fonte: revista “Época”
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