Rede Feminista de Saúde alerta:
A Rede Cegonha é retrocesso de 30 anos
por Conceição Lemes
A presidenta Dilma Rousseff lançou dia 28 de março, em Belo Horizonte (MG), a Rede Cegonha. Sobre ela o site do Ministério da Saúde informa:
Composta por um conjunto de medidas para garantir a todas as brasileiras, pelo Sistema Único de Saúde (SUS), atendimento adequado, seguro e humanizado desde a confirmação da gravidez, passando pelo pré-natal e o parto, até os dois primeiros anos de vida do bebê. As medidas previstas na Rede Cegonha abrangem a assistência obstétrica às mulheres – com foco na gravidez, no parto e pós-parto como também a assistência infantil (às crianças).
A Rede Cegonha contará com R$ 9,397 bilhões do orçamento do Ministério da Saúde para investimentos até 2014. Estes recursos serão aplicados na construção de uma rede de cuidados primários à mulher e à criança.
Só que o bicho está pegando nos movimentos de mulheres e de saúde.
“A Rede Cegonha é no bojo da concepção de mulher-mala [mãe e filho no mesmo cestinho], antiga, antiga”, chia a médica e escritora Fátima Oliveira, que está nessa luta há mais de 30 anos.
A doutora Fátima é do Conselho Diretor da Comissão de Cidadania e Reprodução (CCR) e do Conselho Consultivo da Rede de Saúde das Mulheres Latino-americanas e do Caribe (RSMLAC). De 2002 a 2006, foi secretária-executiva da Rede Feminista de Saúde. Em outubro do ano passado, ela já havia manifestado essa preocupação no artigo Algumas ausências que foram paradigmáticas no debate eleitoral: “Numa olhada de relance nos discursos das campanhas à Presidência, a concepção de mulher-mala foi o tom das propostas para a ’saúde feminina’. Foi de amargar… Ai, meus sais!”.
“As cegonhas vão parir…tudo está resolvido! ”, ironiza a farmacêutica Clair Castilhos, professora do Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), que, seguida, desabafa. “É profundamente doloroso que tenhamos que criticar a formulação e implantação de um programa do Ministério da Saúde voltado para nós mulheres. E o mais irônico e melancólico é que isto aconteça precisamente no momento em que temos um governo presidido por uma mulher com valorosa e digna trajetória política.”
“O conceito trazido pela Rede Cegonha é um retrocesso nas políticas com enfoque de gênero, saúde integral da mulher e direitos reprodutivos e sexuais”, alerta a cientista social Telia Negrão, secretária-executiva da Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos e diretora da RSMLAC, em entrevista exclusiva ao Viomundo.
“A ideia da Rede Cegonha desumaniza o evento reprodutivo, quando retira das mulheres o papel de trazedoras dos filhos ao mundo”, critica Telia. “Em consequência, elas deixam também de ser detentoras dos direitos reprodutivos. Adetentora será a cegonha.”
“A cegonha é um pássaro que nem pertence à nossa fauna, é europeu. Tudo vem prontinho, numa fraldinha, negando que a gestação é um processo humano, social, de nove meses vivido por mulheres”, desaprova Telia. “É um discurso muito antigo, mitificador, mentiroso, que não engana nem criancinha. Nem os bebês aceitam mais a velha cegonha. As crianças já sabem que o bebê vem da barriga da mãe.”
Detalhe: a Rede Cegonha foi lançada em 28 de março; no dia 22, a sua proposta foi apresentada numa oficina de trabalho no Ministério da Saúde às agências governamentais e agências de saúde das Nações Unidas, à Rede Feminista e a pessoas da Pastoral da Criança da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB).
“A presença da CNBB nos causou muito estranhamento”, observa Telia Negrão. “Se era para termos agremiações religiosas, por que só a CNBB? Infelizmente, parece uma sinalização da capacidade desses setores de influirem nas nossas políticas públicas. E isso fere profundamente o caráter laico do Estado brasileiro.”
A seguir a íntegra da entrevista que Telia Negrão concedeu a esta repórter. Vale a pena a conferir, para entender o pano de fundo da Rede Cegonha, suas implicações e por que os movimentos de feministas e de saúde a estão criticando.
Viomundo – Como a Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos recebeu o anúncio da Rede Cegonha?
Telia Negrão – Como um retrocesso. É a concepção materno-infantil de saúde da mulher, que criticamos há cerca de 30 anos, pois é reducionista. Na verdade, na campanha eleitoral do ano passado nós tivemos um primeiro sinal nesse sentido.
Viomundo – Explique melhor.
Telia Negrão — Na campanha eleitoral do ano passado, a Rede Feminista, como fez em eleições anteriores, elaborou uma carta — A saúde das mulheres merece o teu voto — para os candidatos de todos níveis da disputa, deputados a presidente da Republica. Nela, reafirmamos mais uma vez o paradigma que defendemos há cerca de 30 anos no âmbito das políticas públicas de saúde: a atenção integral à saúde das mulheres, a garantia dos direitos sexuais e direitos reprodutivos como parte dos direitos humanos das mulheres, o enfoque de gênero, diversidade de raça e de etnia.
Num determinado momento disputa, porém, o aborto foi trazido para dentro da agenda campanha eleitoral pelos setores conservadores, porque sabiam da posição da então candidata Dilma, que era favorável à descriminalização do aborto.
Foi feita toda aquela pressão para que ela recuasse na sua posição e garantisse uma postura o mais aproximada possível da concepção materno-infantil, que consideramos uma posição limitada da saúde das mulheres, porque não leva em conta os ciclos de vida nem a possibilidade de as mulheres não desejarem a maternidade. Esse foi o primeiro momento.
Depois, ainda durante a campanha, soubemos que Dilma, em visita ao Rio de Janeiro, conheceu um projeto denominado Rede Cegonha, um serviço de transporte de grávidas para ganhar o bebê, e se apaixonou pelo nome. Pelo menos, foi a informação que tivemos de dentro da campanha.
Soubemos também que os marqueteiros consideraram então Rede Cegonha um bom nome para a proposta da atenção às mulheres no período gestação-parto-puerpério, ou seja, o período gravídico puerperal. De forma que, ao final da campanha já se nota uma tendência à focalização da atenção materno-infantil em vez da atenção integral à saúde das mulheres. Ficou claro que corríamos o risco de nesse governo, frente às pressões dos setores conservadores, ser anunciada uma política com viés reducionista.
Viomundo – Mas esse período já é abordado pelas políticas públicas existentes no Brasil?
Telia Negrão – Sim. Temos o Plano Nacional de Humanização do Parto (PNHP) e uma norma regulamentadora, a RDC 36, que definem uma abordagem de como deve ser a atenção das mulheres no período gravídico-puerperal. Outras políticas juntas constituem a Atenção aos Direitos Reprodutivos das Mulheres, que engloba o planejamento reprodutivo, a anticoncepção de emergência, as políticas destinadas ao enfrentamento da violência sexual. Esse conjunto de ações chama-se Política Nacional dos Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos das Mulheres Brasileiras.
Viomundo – E o ministro Alexandre Padilha?
Telia Negrão – Nós tivemos audiência com ele em Brasília, em13 de janeiro. Na ocasião, cobramos que o Ministério da Saúde reafirmasse a política de atenção integral à saúde e de direitos sexuais e reprodutivos das mulheres. Também que retomasse a discussão de temas extremamente importantes, como a mortalidade materna, os abortos inseguros, a prevenção do HIV.
O ministro nos garantiu que essas políticas seriam reafirmadas, embora já soubesse que teria de estruturar a Rede Cegonha. Disse que estruturaria essa proposta a partir da visão de integralidade.
No mês de fevereiro, soubemos que a proposta da Rede Cegonha já estava sendo construída. Nós contatamos então o ministério e dissemos que gostaríamos de discutir já na sua elaboração.
No dia 8 de março, Dia Internacional da Mulher, emitimos uma nota, dizendo que queríamos saber o conteúdo da proposta. Ou seja, vimos que o gato estava subindo no telhado.
Em 22 de março – o lançamento foi no dia 28! –, a Rede Cegonha nos foi apresentada numa oficina de trabalho no Ministério da Saúde. Além das agências governamentais e agências de saúde das Nações Unidas, estiveram presentes uma integrante do Conselho Nacional de Saúde, uma do Conselho Nacional dos Direitos da Mulher, representado pela Abrasco [Associação Brasileira de Saúde Coletiva], a Rede Feminista de Saúde e pessoas da Pastoral da Criança da CNBB [Conferência Nacional dos Bispos do Brasil]. A presença da CNBB nos causou muito estranhamento.
Viomundo – Da sociedade civil só a Rede Feminista e a CNBB?
Telia Negrão – Sim, isso obviamente produziu em nós uma estranheza. E quando a proposta foi apresentada, de imediato reagimos com uma análise crítica. Dissemos que o que tinha entrado na proposta era muito bom, pois visa à redução dos índices de mortalidade materna e de sequelas no período gravídico-puerperal, que nos inquietam também. Mas o que nos preocupou foi aquilo que não tinha sido incluído na proposta. Afinal, se havia um diagnóstico, por sinal muito bom, para cada item, deveria haver uma proposta correspondente.
Viomundo – E qual o diagnóstico?
Telia Negrão – O primeiro ponto era o dado de aborto: 189 mil por ano. Na verdade, correspondem às curetagens realizadas no Sistema Único de Saúde (SUS). E a estimativa de 1 milhão de abortos provocados por ano, feitos em condições inseguras, decorrentes de falta de acesso das mulheres ao planejamento reprodutivo, falha do método contraceptivo e não cumprimento da norma técnica do Ministério da Saúde de violência sexual. Essa norma define como deve ser feita a atenção aos agravos à violência sexual, incluindo o aborto, e cria serviços de atendimento.
Esse ponto, porém, não tem no programa apresentado, como correspondência, qualquer estratégia para garantir os serviços de aborto legal, tampouco qualquer estratégia com vistas à redução dos obstáculos para a realização da interrupção da gestação. Enfim, não há um enfrentamento correspondente a esse problema gravíssimo no Brasil.
Viomundo – Quer dizer, o Ministério da Saúde apresenta o diagnóstico 1 milhão de abortos provocados por ano, feitos em condições inseguras. Porém, paradoxalmente, quando vai tratar a questão se restringe à mulher que vai ter o bebê, não aborda a que não vai ter, é isso?
Telia Negrão — Exatamente. Não é uma política de direitos reprodutivos. É apenas uma boa política materno-infantil, pura e simplesmente para as mulheres que desejam ter filhos. As que não querem e engravidam, porque não conseguiram planejar ou o planejamento falhou, não são atendidas por essa política.
Portanto, o enfrentamento da mortalidade materna, um dos argumentos para a Rede Cegonha, não está baseado em evidências científicas. A política anunciada é só para as mulheres que querem filho ou aquelas que, mesmo que sem nenhuma condição, vão ter filho contra a própria vontade. Logo, não é uma política que considerou que há mulheres que engravidam e não desejam levar adiante aquela gestação ou que engravidaram em circunstâncias adversas à sua vontade.
Só que, no Brasil, desde 1983, quando foi instituída a Política Nacional de Atenção Integral à Saúde da Mulher [se chamava PAIMS, agora PNAIMS], essa é a diretriz nacional de atenção à saúde das mulheres. Ela prevê que a atenção à saúde reprodutiva das mulheres tem de contemplar as que querem e as não querem ter filhos. Além disso, o Brasil é signatário de documentos internacionais, comprometendo-se com isso. Na próxima semana, haverá reunião em Nova York. O Brasil teria de estar lá, prestando contas.
Viomundo – Daí no início desta da entrevista a senhora ter dito que recebeu a Rede Cegonha como um retrocesso…
Telia Negrão – Infelizmente. Do ponto de vista de atenção integral à saúde das mulheres, que é nosso paradigma desde a década de 1980, a Rede Cegonha é reducionista, um retrocesso nas políticas de gênero, pois as mulheres deixam de ser sujeitas principais no evento reprodutivo, de estar no centro do processo.
Inclusive, a coordenação da Rede Cegonha é compartilhada com a área de atenção à saúde da criança e não tem como ponto de partida a saúde das mulheres. Há uma mudança no próprio foco da política de atenção à maternidade no Brasil, até então pautada por uma visão de direitos reprodutivos e que levava em conta a maternidade das mulheres que não queriam ter aquele filho. A da Rede Cegonha, não.
Viomundo – A doutora Fátima Oliveira diz que a Rede Cegonha traz no bojo a concepção mulher-mala, já vem tudo embrulhadinho no mesmo pacote.
Telia Negrão – (Risos). Nem mala nem cegonha. Nós achamos que esse conceito de Rede Cegonha é muito desumanizador. Ele retira da mulher o papel de sujeito do evento reprodutivo.
A caracterização materno-infantil sempre foi a mulher barriguda, com o peito cheio, e o bebê: mulher como sujeito reprodutivo, afinal a gestação se dá no corpo das mulheres.
Portanto, essa ideia da Rede Cegonha desumaniza o evento reprodutivo, quando retira das mulheres o papel de trazedoras dos filhos ao mundo. E ao retirar as mulheres como sujeito do evento reprodutivo, elas deixam de ser também detentoras dos direitos reprodutivos. A detentora será a cegonha.
A cegonha é um pássaro que não pertence nem à nossa fauna, europeu. Tudo vem prontinho, numa fraldinha, negando que a gestação é um processo humano, social, de nove meses vivido por mulheres. É um discurso muito antigo, mitificador, mentiroso, que não engana nem criancinha. Nem os bebês aceitam mais a velha cegonha. As crianças já sabem que o bebê vem da barriga da mãe.
Viomundo – E mulher-mala?
Telia Negrão – Esse conceito é emblemático,e eu não gosto dele. Nos remete a setores conservadores que não aceitam o direito de a mulher decidir sobre a sua gravidez. São contrários ao direito à interrupção da gestação. Consideram que as mulheres são apenas hospedeiras de fetos. É um argumento inclusive dos setores vinculados à Igreja Católica mais conservadora. É um conceito que vem no discurso dos setores que se dizem defensores da vida, quando, na verdade, são as mulheres que a defendem.
Acho horrível o conceito de mulher-hospedeira, porque retira das mulheres a capacidade de arbitrar, de exercer com autonomia as suas decisões. Assim como o conceito de mala que só carrega coisas dentro.
De modo que eu prefiro dizer que o conceito de Rede Cegonha é desumanizador, retira cidadania, retira direitos, quando as mulheres são simplesmente substituídas pela figura de uma cegonha.
Viomundo — A senhora acredita que esse conceito da Rede Cegonha decorra da interferência da Igreja Católica, como aconteceu na última eleição?
Telia Negrão – É possível. Eu preferiria acreditar que é um equívoco conceitual ou uma limitação da política pública, porque temo que o Estado brasileiro e as nossas políticas públicas estejam sendo influenciadas pelas igrejas conservadoras. Mas, infelizmente, parece uma sinalização da capacidade desses setores de influirem na política pública. E isso fere profundamente o caráter laico do Estado brasileiro.
Viomundo — O fato de na reunião de apresentação da Rede Cegonha a CNBB estar presente é um sinal de que se está ferindo o Estado laico?
Telia Negrão — A CNBB, ao lado de todas as agremiações religiosas brasileiras, tem direito de debater as políticas públicas. Agora, nós vimos com muita estranheza que apenas a CNBB estivesse representada naquela reunião, por que não as outras agremiações religiosas também?
As representantes da CNBB não emitiram nenhuma opinião. Apenas ficaram assistindo à troca de argumentos entre setores do governo brasileiro, o movimento de mulheres e as agências de saúde das Nações Unidas, como a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS). A OPAS se manifestou em defesa da integralidade, em defesa do cumprimento da plataforma do Cairo, de 1994, que tem uma abrangência maior do que aquela colocada no programa da Rede Cegonha.
A Rede Cegonha está muito aquém do Programa de População e Desenvolvimento, do Cairo, do qual o Brasil é signatário. O programa do Cairo prevê que as políticas públicas de saúde pública reprodutiva devam refletir a garantia dos direitos reprodutivos das mulheres. E os direitos reprodutivos das mulheres contemplam os direitos das mulheres que querem ter filhos e os direitos das mulheres que não querem ter filhos.
Viomundo – Se de um lado a Rede Cegonha vai possibilitar acesso a saúde de qualidade às mulheres que desejam ter filhos, de outro, ela ignora as mulheres que não querem. A senhora não teme que a sociedade passe a ver essa ação do movimento feminista como algo contra a população mais pobre, mais desassistida?
Telia Negrão — Não, porque quando defendemos que as políticas de saúde reprodutiva devam ser amplas, estamos falando da grande maioria da população, não estamos falando dos direitos das feministas.
Não são as feministas que abortam. Aliás, as mulheres que se declaram feministas possivelmente são as que menos abortam, porque que têm acesso à informação e grande parte delas, aos insumos de saúde reprodutiva. Leia-se métodos contraceptivos.
As mulheres que têm as gestações não desejadas são as que necessitam SUS. São aquelas que não encontram no SUS informação, acesso a todos os insumos de planejamento reprodutivo. São aquelas que quando precisam fazer aborto, vão fazer aborto inseguro na aborteira ou na clínica clandestina. As outras mulheres, as que têm voz, quando precisam fazer aborto, procuram um hospital seguro. Eu, como pessoa privilegiada, se precisasse fazer um aborto, procuraria um bom hospital e pagaria para não correr o risco de morrer, porque é assim que funciona o aborto no Brasil.
As mulheres que têm dinheiro vão fazer o aborto nas clínicas mais sofisticadas e mais seguras. Quem precisa do SUS para planejamento familiar, anticoncepção de emergência e abortamento, são as mulheres pobres, as trabalhadoras brasileiras.
Então, nós não estamos nos distanciando das mulheres comuns do Brasil. Na verdade, a gente está mostrando que tem um outro lado, que é o direito de não ter filhos.
Existe um medicamento que se chama misoprostol – o famoso Citotec — , que pode diminuir o sofrimento de uma mulher que não quer ter filho com algumas pastilhas. No entanto, a venda desse medicamento em farmácia está proibida no Brasil. Ele só pode ser utilizado em hospital com receita médica . No entanto, se eu tiver dinheiro, eu compro e tomo esse medicamento. Temos um grave problema de justiça social no país.
Consequentemente, eu acho que nós temos uma agenda ampla a ser debatida no Brasil, que é mais do que melhorar as condições para as mulheres terem filhos. É oferecer às mulheres a possibilidade de terem os filhos que quiserem, quando quiserem, como quiserem, com quem quiserem, sempre nas melhores condições.
Viomundo – A Rede Cegonha é reducionista mesmo…
Telia Negrão — É uma visão reducionista dos direitos reprodutivos e da própria saúde saúde reprodutiva, que é mais do que o direito de ter filhos. É o direito de ter ou não filhos.
As mulheres foram substituídas por um mito, o pássaro que carrega o bebê prontinho, comprometendo o próprio sentido da atenção humanizada no pré-natal, parto e puerpério. Uma subestimação dos avanços conceituais no campo dos direitos reprodutivos, como direitos humanos, infantilização do processo reprodutivo centrado no bebê. Portanto, uma desumanização simbólica da política de saúde da mulher.
Viomundo – E agora?
Telia Negrão — Nós tivemos a garantia do Ministério da Saúde de que teremos 90 dias para continuar conversando sobre o conteúdo e a estratégia da Rede Cegonha. Estamos aguardando o recebimento do documento com a política como efetivamente foi anunciada. Em cima dele, elaboraremos propostas para a melhoria desse programa. Defendemos que essa política após sua versão definitiva ou na versão atual seja encaminhada para discussão no Conselho Nacional de Saúde e no Conselho Nacional de Direitos da Mulher.
Viomundo — O ministro Padilha concordou?
Telia Negrão – No dia 22 de março, a nossa conversa não foi com o ministro, que estava em Belém (PA), anunciando um programa nacional de câncer cérvico-uterino e de mama, que nós saudamos.
Na verdade, saudamos duas grandes iniciativas: o posicionamento da presidenta Dilma sobre violência no dia 8 de março e a prioridade para o câncer.
Quanto ao programa de saúde reprodutiva, nós queremos que ele seja ampliado com a visão de saúde integral. Queremos a reafirmação do compromisso do governo brasileiro com a política de atenção à saúde integral das mulheres e o fortalecimento da área técnica de saúde da mulher. Essa é a nossa agenda.
Viomundo — Do jeito que foi apresentado não é o caminho?
Telia Negrão — Nós achamos, insisto, que reduziu o foco de um problema que é muito mais amplo do que foi abordado.
Desde 2006, quando foi criado o Pacto Nacional pela Redução da Mortalidade Materna e Neonatal, nós nos colocamos como defensoras de uma abordagem integral da problema mortalidade materna no Brasil. Isso significa abordar não só as causas obstétricas, mas também as vinculadas às desigualdades de gênero, ou seja , a violência contra as mulheres.
No Rio Grande do Sul, a violência é a primeira causa de morte de mulheres no período da gestação e do puerpério. É também em Porto Alegre. Daí defendermos que a mortalidade materna seja vista dentro de visão mais ampla.
A forma como foi anunciada a Rede Cegonha, não ficou claro qual será o papel do Pacto Nacional , que foi a estratégia estabelecida para enfrentarmos e atingirmos as metas do milênio em relação à mortalidade materna. Infelizmente, a continuar apenas a visão obstétrica da Rede Cegonha, o Brasil não atingirá essas metas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário