6 de abr. de 2011

Cavaleiro da destruição

Karl Marx nunca deu muita atenção à natureza. Pessoalmente, sabia da sua importância e a cultivava em longos passeios com a família pelos maravilhosos parques de Londres. Mas quando se sentava por longas horas de trabalho em sua casa ou no Museu Britânico, fumando, bebendo ou tomando café, queria era saber da história humana. Era, etimologicamente falando, um humanista pleno. Seu propósito era libertar a grande maioria dos homens da tirania de poucos homens. A natureza era pano de fundo dessa luta titânica – e a ela se devia amoldar.

Não surpreende que os países que o adotaram por inspiração tenham acumulado desastres ecológicos, como a União Soviética, a China ou as nações do leste europeu. Ou que assim raciocine um dos últimos exemplares dessa raça em extinção, o Partido Comunista do Brasil. Aldo Rebelo, deputado federal do PC do B, é o autor do projeto do novo Código Florestal.

O que há de mais polêmico no seu conteúdo é a disposição de permitir a ampliação da área passível de desmatamento na Amazônia. Ele acha que assim regularizará situações que se estabeleceram à margem da lei, mas se tornaram irreversíveis, e destravará a tranca que impede o desenvolvimento da pequena agricultura ou de unidades que, embora maiores, são altamente produtivas.

No entendimento do deputado comunista, as entidades ambientalistas que se opõem ao novo Código utilizam argumentos supostamente científicos em favor da preservação da natureza ou humanitários para esconder o que interessa: impedir a concorrência internacional da agricultura brasileira, que já assustaria os principais controladores do mercado de alimentos. É por isso que essas ONGs recebem dinheiro dos Estados Unidos e da Europa para o seu proselitismo. A ecologia seria apenas um disfarce para o interesse comercial.

Já as ONGs devolvem o mesmo tipo de raciocínio para dizer que por trás do líder do PC do B está o agronegócio, os latifundiários e outros agentes da devastação da Amazônia. Uma coisa é certa: mesmo que não haja combinação, há uma afinidade entre o que Rebelo defende e o que querem esses senhores do campo. Um absurdo? Não: a matriz teórica de Marx permite a composição com o capitalismo. Primeiro implantá-lo e fazê-lo desenvolver as forças produtivas. Isto posto, as contradições entre capital e trabalho aflorarão. O terreno estará adubado para a síntese: a revolução. Sem perturbações ambientalistas.

O discurso do parlamentar, qualquer que seja a perspectiva de quem o analisa, deixa escapar um exotismo em relação à Amazônia. Por parte de quem ouviu falar dela, aprendeu-a nos manuais, mas não a palmilhou. Ou, se a percorreu, não entendeu o que viu.

Ele saiu em defesa de um dos pontos do seu projeto que mais reações provoca: a manutenção das áreas desmatadas às margens dos rios, despidas das suas matas ciliares, fundamentais para o equilíbrio ecológico. "Como expulsar da Amazônia quem planta na beira do rio há 200, 300 anos de forma sustentada, como se estivessem cometendo um crime ambiental?”, argumentou.

O conceito de ribeirinho é estranho ao deputado, mas é pertinente à história regional. O habitante das várzeas sabe muito bem que derrubar as árvores enfraquece o solo e o sujeita à erosão. A natureza lhe ensina essa lição com o fenômeno das "terras caídas”, em margens que sofrem com a subida e a queda acentuada da lâmina d’água nas estações de cheia e vazante. As margens descobertas sempre foram assim ou estão consolidadas. Só quem não sabe disso é o imigrante, personagem estranho ao ambiente, ou quem interpreta a Amazônia a partir de referências artificiais – e à distância. Como é o caso do deputado Aldo Rebelo, arauto de uma visão colonial para os trópicos com discurso de libertária.
Lúcio Flávio Pinto
Jornalista paraense. Publica o Jornal Pessoal (JP)
Adital

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