6 de abr. de 2011

Bolivia

Ouro sangrento
Por Hildegard Willer

Enormes extensões de bosques amazônicos destruídos pela ação da mineração aurífera informal.
Foto: Cáritas – Madre de Dios

María Tintaya e René Santos querem se casar logo. Porém, devem se preocupar com os anéis de casamento. A jovem enfermeira e o eletricista trabalham em uma loja de compra de ouro em Puerto maldonado, capital do Departamento de Madre de Dios, fronteiriço com o Brasil.

É um domingo pela manha e Tintaya atende a três jovens mineiros. Dois deles escutam música com seu MP3; calçam sapatilhas último modelo com os cadarços abertos para parecer ‘cool’. O mais velho, de uns 25 anos, pega um papel enrugado de seu bolso, que envolve um grão de cor prateada. Tintaya o coloca em um recipiente de argila e o queima com um isqueiro forte. Pouco a pouco o mercúrio, altamente tóxico, evapora e fica a colheita de trabalho dos três jovens: um grão de ouro de umas 15 gramas. Tintaya lhes paga uns 600 dólares em dinheiro e não pede nenhum certificado de origem. São 200 dólares para cada um pelo trabalho de uma semana, que, no Peru, equivalem ao salário mínimo mensal.

Como tantos outros, os três jovens abandonaram seus estudos na cidade andina de Cuzco para atender ao chamado do ouro que emana desde a selva amazônica de Madre de Dios. Eles, como mineiros jornaleiros, constituem o último ‘elo perdido’ de uma cadeia de mineração que oscila entre formal e informal; mineração artesanal e grande mineração.

"Como máximo, 5% dos mineiros daqui estão formalizados e com seus estudos de impacto ambiental em regra”, estima Humberto Cordero, o representante do Ministério do Ambiente em Madre de Dios. Ao redor de 60% se supõe que são invasores ilegais ou "convidados” pelos concessionários, outros 30% encontram-se em vias de formalização.

Mineiros grandes e pequenos

Os mineiros de Madre de Dios podem ser endinheirados investidores peruanos, brasileiros, ou russos e chineses que revolvem o fundo e as margens dos rios com grandes dragas, escavadoras e máquinas importadas de último modelo; ou jornaleiros que trabalham de maneira quase artesanal, com uma pequena chupadeira a motor diesel para succionar a areia fluvial rica em pó de ouro.

Todos eles –calcula-se que são umas 40.000 pessoas que vivem da mineração em Madre de Dios- têm em comum que depredam a selva: para tirar ouro cortam árvores indiscriminadamente; revolvem os sedimentos dos rios e contaminam água e terra com mercúrio e óleo de motor. Alguns leitos de rios já não existem; os mineiros converteram-nos em um deserto de barro.

Nem o Ministério de Energia e Minas, em Lima; nem as autoridades regionais encarregadas de fiscalizar a mineração artesanal e a pequena mineração em Madre de Dios e mitigar seus danos ambientais. Com o preço do ouro ‘pelas nuvens’ e a chegada constante de novos mineiros, as tentativas de colocar ordem através da formalização têm fracassado.

Por isso, o ministro do Ambiente, Antonio Brack, mediante um decreto de urgência declarou, no dia 18 de fevereiro de 2010 como prioridade nacional o ordenamento da mineração aurífera de Madre de Dios. Porém, paralisar as concessões mineiras e dividir a região em zonas de mineração e zonas excluídas de mineração somente parece ter um efeito placebo.

"Os mineiros informais já estão invadindo a nova zona de amortização da Reserva Nacional Tambopata”, e isso já é um problema, conta Cordeiro.

Brack decidiu recorrer a um último recurso: o passado 19 de fevereiro a Marinha de Guerra do Peru, encarregada de resguardar as vias fluviais da Amazônia, destruiu 14 dragas que se encontravam nos rios e proibiu seu uso. Desde então, os mineiros de Madre de Dios se encontram em pé de guerra contra o Ministério do Ambiente e duas pessoas foram mortas durante os bloqueios de estrada.

Porém, o problema não se resolve em Madre de Dios. O ouro produzido na selva de maneira ilegal, ou de maneira legal, porém não fiscalizado, ingressa ao circuito comercial de ouro para a exportação através de vários intermediários. E esse ouro, segundo as estatísticas de exportação, é enviado majoritariamente para a Suíça, para o Canadá e para os Estados Unidos para ser fundido e comercializado como insumo para algumas indústrias ou como depósitos de valor nos bancos.

"Quando será que a imprensa fará uma campanha no estilo dos diamantes de sangue (na África) para que se deixe de comprar ouro que foi produzido com destruição da selva?, exclamou Brack em conferência de imprensa no dia 10 de março.

Ouro verde

Talvez o ministro desconhece que já existem tentativas de produzir ouro em pequena escala e de maneira social e ecologicamente sustentável. Cinco dias antes de que o governo peruano interviesse militarmente em Madre de Dios, em Londres aconteceu o lançamento de primeiro selo de comércio justo para o ouro.

Para obter esse selo, os mineiros artesanais devem cumprir padrões ambientais, sociais e trabalhistas. Os primeiros envios de ouro "ético” certificado vieram das minas da Bolívia e da Colômbia.

"Também no Peru existem associações mineiras que estão no processo de certificação ética”, comenta Olinda Orozco, da organização não governamental Red Social, que se dedica ao tema da mineração artesanal.

Até agora é ouro proveniente de minas situadas no deserto dos Departamentos de Arequipa e Ayacucho, ao sul do Peru, onde o custo ambiental da produção aurífera é menor.

Enquanto em Londres os diários especulam se no casamento real o príncipe Guillermo entregará um anel de ouro ético a sua noiva, muitos casais como Santos e Tintaya continuarão casando-se com anéis de ouro produzido à custa da destruição da selva amazônica.

Tradução: ADITAL

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