Morte em Rondônia mostra péssimas condições de trabalho em obras do PAC
Toco (presidente do Sticcero, de preto) e Altair (vice, de vermelho) visitam o local do acidente ao lado dos engenheiros do consórcio
por Luiz Carvalho
No início deste ano, Francisco Maurício do Nascimento deixou sua casa, no interior do Piauí e, convidado por um amigo, seguiu por mais de três mil quilômetros para trabalhar nas obras do Consórcio M. Martins-EMSA, em Rondônia. O grupo é responsável pela construção de uma ponte que passará sobre o rio Madeira e ligará as cidades de Porto Velho e Manaus, no Amazonas.
A parte final da jornada, porém, durou somente dois meses e meio. Na tarde dessa terça-feira (29), com apenas 35 anos, ele faleceu enquanto realizava um serviço de marteleiro, atividade em que opera um equipamento semelhante a uma britadeira.
Segundo relatos dos trabalhadores e de engenheiros responsáveis pelo canteiro, cinco operários retiraram Nascimento de dentro do local onde executava a atividade – uma abertura com cerca de 1,90 metros de profundidade e 80 centímetros de diâmetro – e levaram-no em um carro da empresa para o Hospital João Paulo II, na capital rondoniense.
De acordo com relatório do atendimento, o trabalhador deu entrada às 14h05 e morreu 15 minutos depois por “mal súbito de origem desconhecida”.
Descartáveis
No dia seguinte, como se nada tivesse acontecido, os trabalhadores do canteiro de obras seguiam para os ônibus estacionados diante do escritório do consórcio. Falta de respeito? Insensibilidade? Não, exatamente. Um dos operários explicou o motivo. “O engenheiro falou para a gente que se não trabalhássemos iriam botar quatro faltas”, explicou um dos jovens ali presentes.
Esse é o retrato da relação entre empregados e empregadores na região do Rio Madeira e de quanto vale uma vida para muitas empreiteiras. Não fosse a intervenção do sindicato cutista dos Trabalhadores nas Indústrias da Construção Civil de Rondônia (Sticcero) e da Confederação Nacional dos Sindicatos de Trabalhadores de Construção e Madeira (Conticom), dialogando com os operários na manhã desta quarta (30), esse seria mais um dia comum sob o forte calor de Porto Velho. Após o diálogo, em homenagem ao companheiro, os operários resolveram cruzar os braços por 24 horas.
Logo após a breve assembleia, dirigentes do Sticcero e da Conticom se reuniram com representantes das empresas para vistoriar a área do incidente e apurar as causas de mais uma ocorrência fatal nas obras da região. Incluindo a construção das usinas de Jirau e Santo Antônio, estima-se que sete pessoas já perderam a vida desde o ano passado.
Durante a reunião, os representantes do consórcio afirmaram que prestaram e continuarão oferecendo assistência à família, comentaram sobre a existência de um ambulatório no local com profissionais integralmente à disposição e negaram a cobrança por jornadas exaustivas para antecipar a entrega das obras.
Insalubridade e desvio de função
Porém, não foi o que os companheiros de Nascimento narraram pouco antes em encontro com nossa reportagem. A primeira falha, admitida pelos próprios engenheiros da M. Martins-EMSA, foi o desvio de função, já que o trabalhador era pedreiro e não poderia executar a função de marteleiro. O problema é agravado pelo fato do operário ter problemas cardíacos, informação confirmada pelo médico legista Otino Freitas, responsável pelo laudo do acidente. “Ele tinha um coração ‘aumentado’ e marcas de operação”, disse.
A responsabilidade das empresas poderá ser agravada se os exames médicos de admissão indicarem esse restrição e demonstrarem negligência das companhias. O Sticcero e a Conticom solicitaram esse documento, mas o consórcio se negou a fornecer, alegando que o registro é confidencial.
O médico comentou ainda que havia sinais de asfixia e embolia, informação que vai ao encontro de outros relatos dos trabalhadores. Segundo alguns deles, o tubo que reveste o local onde o Francisco Nascimento estava deveria ser cortado e retirado para facilitar a circulação de ar, algo que não aconteceu. Outros denunciaram que o trabalhador permaneceu durante boa parte do dia em uma situação absolutamente insalubre e enfrentou forte calor sem que houvesse revezamento entre funcionários.
Conversamos também com operários que desmentiram a existência de profissionais como enfermeiros no local. Segundo afirmou um deles, não havia ninguém no momento para realizar o atendimento, tampouco ambulância. “Isso aqui não existe”, contou.
Medidas legais
Para Flávio Orlando, advogado do Sticcero, cabe agora ao sindicato fiscalizar a emissão da Comunicação de Acidente de Trabalho (CAT) por parte da empresa. – já que muitas não emitem para fugir de encargos trabalhistas –, quais as informações que o documento trará, o acompanhamento do consórcio à família do trabalhador e quais providências serão adotadas. “Nós também verificaremos se ele fez os exames médicos e quais os resultados, para chegar a alguma conclusão”, disse.
Em nota de cinco linhas, que reproduzimos a seguir, o consórcio lamenta o episódio:
“O Consórcio M. Martins/EMSA lamenta informar o falecimento do pedreiro Francisco Maurício Brito do Nascimento, ocorrido na tarde do dia 29 de março no canteiro de obras da ponte sobre o Rio Madeira. O colaborador de 35 anos sentiu-se mal, chegou a ser socorrido e encaminhado para o Hospital João Paulo II, em Porto Velho (RO), mas infelizmente veio a falecer. O Consórcio M. Martins/EMSA está prestando toda a assistência necessária aos familiares e amigos da vítima.”
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