10 de abr. de 2011


“Por que chegamos a isso?”. 
Ou: Não sabem governar sua cozinha e querem governar o mundo inteiro
Escrevi ontem um longo texto (este tende a ser maior) em que afirmo que passamos por um processo de emburrecimento do debate público no Brasil; fundamentos da democracia que nos pareciam, até havia pouco, acima de quaisquer questionamentos começam a ser alvos de especulação, notadamente a liberdade de expressão. Eventos dramáticos, que chocam a sociedade, logo são usados como pretextos para reduzir a liberdade dos indivíduos. Em todos os casos, agentes políticos se mobilizam para arrancar uma fatia de nossa liberdade e entregá-la à voracidade do estado. O indivíduo não vale um tostão furado. Ele, que é a razão de ser e o centro da democracia contemporânea, é reduzido à mera condição de instrumento de um “projeto”.
No comando dessas iniciativas, estão os sucedâneos da esquerda marxista, que se fragmentaram em movimentos vários — alguns nem mesmo têm informação clara de sua própria origem. De todo modo, conservam a matriz autoritária. Os fascistas de direita temem a liberdade porque, para eles, ela se confunde com a desordem; os fascistas de esquerda temem a liberdade porque, para eles, ela se confunde com o egoísmo. Em qualquer dos casos, como diria o grande poeta baiano Gregório de Matos (1636-1695),

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Quem já não está com o saco cheio dessa gente?
Encerrei assim meu post de ontem: “Mas por que chegamos a isso? Esse é outro texto, que publicarei neste domingo.” Cá estou. O que nos falta? Poderia responder simplesmente: falta-nos oposição. Como se é “oposição” sempre em relação a alguém, prefiro ser menos episódico, não ancorando a tese apenas na realidade partidária que aí está (mas também nela).  O Brasil é a ÚNICA DEMOCRACIA DO MUNDO que não conta com representantes no Parlamento que falem em defesa dos pagadores de impostos. Nem me refiro ao grande capital propriamente, que este, é fato, sempre dá um jeito de se defender. Vamos ser claros, né? Arca com um imposto aqui, toma dinheiro a juros subsidiados do BNDES ali. Com uma das mãos, o governo tira; com a outra, devolve. Quem não obtém nenhuma forma de compensação é o tal homem comum, médio, assalariado. Paga calado e recebe em troca serviços lastimáveis. No Parlamento, os ilustres representantes do povo se engalfinham para oferecer sempre mais “generosidades”. Como não se inventou ainda um governo que gere riqueza — ele, ao contrário, a consome —, alguém paga a conta.
Onde estão os representantes do povo do “povo que paga a conta”? Inexistem. Os partidos, hoje, ficam a gravitar em torno do PT, disputando com ele o mercado de concessões de benefícios. Na única vez em que as oposições tiveram a coragem de peitar os petistas — refiro-me à CPMF —, levaram a fatura. E com amplo apoio da sociedade. Não por acaso! Os porteiros do meu prédio têm Imposto de Renda retido na fonte. Participam, como se vê, do “esforço redistributivo” do Brasil distribuindo… Pertencem àquele grupo de milhões de pessoas que nem são atendidas pelo bolsismo, a exemplo de nós, nem são capazes de pagar saúde privada, escola privada e segurança privada, à diferença de nós. Quem fala por eles?
Por que é assim? Infelizmente, o estado brasileiro é gigantesco e, nos oito anos do governo petista, cresceu ainda mais. A economia privada depende visceralmente do ente estatal; de posse de seus instrumentos, o governo de turno faz chantagem. Por isso é tão difícil fazer oposição no Brasil, qualquer que seja o partido no poder. Mas ainda mais difícil tem-se mostrado na gestão petista porque não se está lidando apenas com um partido, mas com uma legião, que tem o controle daqueles tais “movimentos” dos deserdados do marxismo, hoje metidos em lutas particularistas cuja finalidade, como todos sabemos, é assaltar o caixa do estado para garantir benefícios específicos a seus liderados.
Em qualquer grande democracia do mundo, a disputa pelo governo central se organiza em torno de um eixo — desdobrando-se depois em demandas particulares. Que eixo é esse? “Daremos mais dinheiro ao governo ou menos para que ele execute seus projetos?” Ou posto de outra maneira: “Devemos confiar no governo para fazer o país avançar e, pois, aceitaremos pagar mais impostos, ou nós lhe diremos: ‘Preferimos fazer nós mesmos?’” Uma perspectiva organiza os ditos “progressistas”; a outra, os ditos “conservadores”. Estes acusam aqueles de perdulários; aqueles dizem que estes são egoístas e ignoram os deserdados da terra. O pêndulo ora vai para um lado, ora para o outro.
Vejam o que ocorre no Brasil. Se um determinado projeto ganha a marca de “social”, não haverá partido com coragem suficiente para dizer simplesmente “Não!”, explicando, se for o caso, que o governo está tentando arrancar um pouco mais do nosso dinheiro para supostamente nos salvar — ou, se for o caso, para alimentar a sua clientela. E por que os partidos têm tanto medo? Porque podem, efetivamente, ser satanizados. E isso remete a uma segunda questão importante.
Imprensa
Aqueles tais movimentos tomaram de assalto a imprensa. Nos EUA, no Chile (aqui do lado), na Alemanha, na França, na Itália, em toda parte, não só existem os jornalistas conservadores — “de direita” (brrr…), se quiserem — como existem os veículos conservadores: jornais, revistas, TVs, rádios, sites… Por aqui? É mais fácil um coleguinha com fama de, sei lá, beberrão ou idiota ser respeitado numa redação do que um com fama de “direitista”. No Brasil, o conservadorismo — ou a “direita” — deixou de ser um conjunto de valores morais, ideológicos, políticos, econômicos, culturais. Não! Passou a ser uma falha ou uma mácula moral. É claro que há nisso tudo muito de ignorância e de “não-livros”; mas há também, é certo, a patrulha consciente, organizada, eficiente.

Laura Capriglione não confunde coturno com Winston Churchill porque ela não sabe a diferença. Ao contrário: ela confunde JUSTAMENTE PORQUE ELA SABE!

Que político vai querer ser alvo da ironia ou da maledicência das hostes organizadas? Vi a tentativa estúpida de massacrar o excelente senador Demóstenes Torres (DEM-GO) quando ele resolveu se insurgir contra os aspectos aberrantes do tal Estatuto da (Des)Igualdade Racial. Atribuíram-lhe coisas que não disse — porque essa ainda é a melhor forma que os vigaristas têm de debater; acusaram-no de “racista” sem atentar para as restrições que fazia ao texto, todas elas ancoradas na Constituição. Um ou outro articulistas escreveram contra as cotas, mas, que eu me lembre, jamais alguém “da redação” — com as exceções de sempre. Digam-me aqui: é sinal de saúde democrática não haver simplesmente divergência num ambiente que deveria estar especialmente talhado para o confronto e para o debate? No caso do estatuto, só faltou o Elio Gaspari fazer como as vestais, que desfilavam desnudas quando julgavam que os deuses haviam sido gravemente ofendidos. Ele ao menos se conteve.

O caso Jair Bolsonaro (PP-RJ), convenham,  é bastante emblemático. Embora poucos tenham se dado conta de que mais ele acabou usando a imprensa do que a imprensa usando-o como símbolo “da direita”, de “tudo o que é ruim”, vimos a ligeireza com que se fala em cassação de mandato e punição quando alguém desprezado “pelo mundinho” decide fazer uso das faculdades constitucionais de que dispõe, ainda que para dizer coisas detestáveis. Contra as modernas informações da ciência, contra as evidências dos estudiosos da área e, finalmente, contra a lei, Tarso Genro, governador do Rio Grande do Sul, tratou a maconha como se fosse um Chicabom (”Dizem que é muito saboroso”) — e o frez falando a jovens numa aula inaugural da UFRGS. O caso foi ignorado. Por quê? Porque boa parte dos que decidem o que é notícia, independentemente do que é fato, concorda com ele.
Ok. Todos sabem que a CNN é democrata e obamista, mas todos sabem que a Fox é republicana e antiobamista. Cito duas quase caricaturas. No mundo democrático, a imprensa também é plural e, de certo modo, espelha as divergências que existem na sociedade. E no Brasil? Em nome de uma suposta isenção, o crime é, muitas vezes, colocado em pé de igualdade com a lei, segundo a lógica do “lado” e do “outro lado”.  Convenham: se admito que a lei pode ser violada em nome da justiça (de preferência, “justiça social”) e se considero que aquele que pratica a violação é um “lado legítimo” da contenda, não haverá “outro lado” que compense o que já é a escolha de um lado: a admissão da violação da lei. Ponto final! E vocês sabem que isso define a esmagadora maioria da imprensa brasileira.
Cá comigo, rio bastante quando vejo os esquerdopatas a associar, por exemplo, a TV Globo ao conservadorismo. Alguém já assistiu a algum capítulo da novela das 21h? Não vou aqui fazer análise de TV, qualidade de enredo, direção, nada disso. Trata-se de mais um folhetim eletrônico que vale por um breviário de todos os “progressismos”. dos bacanas brasileiros. Afirmar que a Globo é de “direita”, no entretenimento ou no jornalismo, é só uma maneira de manter mobilizada a patrulha com o intuito de que a emissora não fuja dos cânores politicamente corretos.
Sem divergência
Estamos, assim, parindo uma “democracia nova”, sem divergência; as vozes públicas se movem apenas pelo consenso. “Consenso” de quem? Dos grupos militantes. Isso faria supor uma de duas coisas: ou viveríamos numa ditadura ou na mais absoluta paz social. Curiosamente, não temos nem uma coisa nem outra. O regime é democrático, e mais de 50 mil pessoas são assassinadas por ano no país, número estúpido, inaceitável, absurdo! Ocorre que o Brasil que divide, o Brasil do confronto, o Brasil da discordância, o Brasil da divergência, o Brasil do choque, tudo isso desapareceu com a chegada dos companheiros ao poder. Seus principais agentes da agitação social eram os sindicatos, que hoje integram o governo e administram fundos de pensão bilionários. Aqueles grupelhos organizados continuam, sim, a pressionar. MAS ATENÇÃO! NÃO É UMA PRESSÃO CONTRA O ESTADO! É UMA PRESSÃO CONTRA A SOCIEDADE. Como dispõem dos meios — a imprensa — para incensar ou satanizar as pessoas, temos, então, esta magnífica sociedade brasileira do discurso único, do partido único, do intento único.

Caminhando para o encerramento, lembro o aguardadíssimo discurso recente do senador Aécio Neves (PSDB-MG), saudado por alguns oposicionistas e, o que é curioso, PELA TOTALIDADE DOS GOVERNISTAS, como “a voz” da oposição. A personagem da noite, além do próprio tucano, foi o senador Wellington Dias (PT), ex-governador do Piauí. Comentando a segurança, a fortaleza e as certezas do governo petista, disse que eles, os governistas, haviam escolhido Aécio para ser o líder da oposição. Faz sentido!
Aécio exumou o passado e mostrou as muitas vezes em que o PT faltou ao Brasil. Correto! Mas cadê a divergência sobre presente e futuro? Fez algumas propostas, digamos assim, administrativistas, mas nada disse sobre as muitas imperícias em curso. Escrevi ontem à tarde sobre o atrapalhadíssimo ministro Guido Mantega e o nó cambial. Imagino aqui Dilma a ler o discurso de Aécio e comentando intimamente, com certo desalento:
“Estou frita! Eles também não tem a menor idéia do que fazer! Estão como o Guidinho!”
Atenção! Eu não esperava que um senador da oposição — ou ela toda — oferecesse “a” solução. Passar, no entanto, a largo do problema naquele que seria uma espécie de “discurso inaugural”, de fala organizadora dos adversários do PT, dá conta do quão baixa anda a temperatura política e intelectual na oposição.

Agora encerro mesmo
É por isso que tão abertamente se fala em desrespeitar a Constituição no país, como demonstrei ontem; é por isso que uma ocorrência trágica serve uma vez mais para tentar avançar contra os direitos dos homens de bem. Políticos e boa parte da imprensa passaram a criminalizar a divergência. O próprio senador mineiro, em sua longa fala, fez questão de deixar claro que não quer o confronto menor, que quer construir  etc, etc, etc. Faz-se oposição no país quase pedindo desculpas, como se não fosse ela a legitimar a democracia, já que governo há em todas as ditaduras; como se o regime de liberdades não estivesse justamente na possibilidade de dizer “não”, já que as tiranias também permitem que se diga “sim”.

É essa “democracia jabuticaba” que nos obriga a recitar de novo, quase 400 anos depois:

A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha,
Não sabem governar sua cozinha,
E podem governar o mundo inteiro.
Por Reinaldo Azevedo

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