Boi na linha
O JBS-Friboi não tem condições de garantir que não está comprando boi de fazenda de desmatamento ilegal. A empresa tem apenas condições de garantir que se o pecuarista entrar na lista dos desmatadores ou dos que praticam trabalho escravo sairá automaticamente do grupo de fornecedores do frigorífico. Foi o que me disse o presidente do Conselho de Administração do JBS-Friboi, Joesley Batista.
— O JBS não tem poder de Estado. Não tem o poder de montar o controle. O Estado me dá a lista dos que desmataram ou praticaram trabalho escravo e eu cumpro a minha parte. Se o cara não está na lista, como vou saber se ele desmata ou não? Minha missão não é de polícia — disse.
Recentemente, o frigorífico, maior empresa de proteína animal do mundo, uma multinacional brasileira, foi acusado pelo Ministério Público do Acre de comprar carne de fazenda embargada pelo Ibama ou de fazenda autuada por trabalho análogo ao de escravo. Escrevi sobre isso aqui na coluna, ressaltando o fato de que o BNDES não é apenas financiador, mas sócio do frigorífico, tem 20% das ações. O banco, aliás, é também o gestor do Fundo Amazônia. Difícil entender tanta contradição.
No dia que escrevi a coluna, tentei falar com o frigorífico, como tentei todas as vezes em que tratei de questões relacionadas à empresa. Esta semana, a empresa procurou a coluna. Ontem, conversei longamente com o presidente. As explicações que ele deu não me convenceram, mas conto aqui porque ajudam a esclarecer um pouco a complicada questão da pecuária na Amazônia. Uma empresa que fatura US$ 40 bilhões por ano, como ele me disse, deveria ter um sistema de controle dos seus fornecedores, mas ele considera que isso é função do Estado. No entanto, no pacto fechado entre frigoríficos, ONGs, órgãos governamentais e Ministério Público, o JBS se comprometeu, junto com outros grandes do setor, como Marfrig e Minerva, a garantir exatamente isso: que não comprariam de quem desmata ou pratica trabalho escravo. Ao fim do prazo negociado, eles pediram mais seis meses para cumprir o prometido. Agora, ele me disse que só pode garantir que se a empresa for flagrada pelo governo praticando qualquer dos dois crimes estará fora da sua lista de fornecedores, mas não acha que é seu dever ter controle sobre a cadeia produtiva da empresa.
Sobre a ação do Ministério Público do Acre, Joesley Batista disse o seguinte:
— Foi um equívoco. Temos sofrido com isso. O Ministério Público tem todo o direito de abrir uma investigação, mas abrir um inquérito não quer dizer que provou que houve alguma coisa errada. Mas aí sai a notícia. É apenas um início de investigação. Além do mais, tem que se saber quando houve o fato na fazenda. Eu posso comprar hoje de uma fazenda, ela é autuada amanhã, eu não tenho culpa.
O procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, do Ministério Público do Acre, contou que não era um início de investigação, mas uma investigação concluída, e por isso foi proposta a Ação Civil Pública. Disse que eles entraram com a Ação porque verificaram, através das guias de transporte animal, que 14 dos 50 frigoríficos que atuam no estado, entre eles o JBS, tinham comprado carne de fazendas que estavam embargadas pelo Ibama ou tinham sido notificadas por trabalho escravo. Isso, antes da compra da carne.
— A empresa tem sim como saber dos problemas porque mantém relações de longo prazo com seus fornecedores. Então é só conferir se as fazendas estão nas listas do Ibama ou do Ministério Público do Trabalho. A empresa não pode dizer que comprou gado antes de a fazenda entrar na lista. Quando conferimos as guias, temos o cuidado de olhar as datas para ter certeza de que a compra foi feita depois que a fazenda entrou na lista do Ibama ou do Ministério do Trabalho — disse o procurador.
O JBS assinou ontem mesmo um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) para encerrar a Ação Civil Pública do MP do Acre. Ao assinar o acordo, encerra-se a ação. O TAC funciona assim, a empresa se compromete a não adotar mais aquela prática, e a ação é encerrada. Assim, evita-se o processo judicial. A empresa se comprometeu nesse TAC, assinado ontem, a deixar de comprar carne oriunda de áreas embargadas por órgãos de fiscalização ambiental, desde que a informação conste em lista oficial e esteja disponível na internet. Ela se comprometeu também a não comprar boi de terras indígenas. Além do MP do Acre, assinaram o acordo os procuradores de Rondônia, Amazonas, Roraima, Pará, Tocantins, Maranhão e Amapá.
Joesley tinha dito inicialmente na conversa comigo que era “absolutamente falsa” a acusação, depois disse que tinha sido apenas uma abertura de investigação, mas ontem mesmo estava assinando o Termo de Ajustamento de Conduta que, como o nome indica, quer dizer mudar a conduta. Perguntei por que ele havia pedido aos assinantes do pacto pela carne legal, como os supermercados aos quais fornece, mais seis meses para dar a garantia de que seus fornecedores não desmatam. Ele disse que a empresa é muito grande, tem 34 unidades, abate 30 mil bois por dia, seis milhões por ano.
Tamanho deveria dar à empresa mais possibilidade de ter um controle maior sobre sua cadeia produtiva e sobre sua lista de fornecedores. Empresas modernas têm que trabalhar exatamente para garantir ao consumidor que o produto que ele consome é de boa procedência, seja em termos sanitários, ambientais, trabalhistas. Por ser grande, a empresa poderia usar seu poder para ajudar a modernização da pecuária brasileira. Se quisesse.
Miriam Leitão
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