27 de mar. de 2011

Hugo Chávez: O rosto da ditadura
Graças a uma nova lei, o venezuelano agora governa por decreto – na prática, como um ditador
[juliano machado]
Steve Pyke/Contour/Getty Images
TODO-PODEROSO
Chávez, no Palácio do Governo. A Assembleia lhe deu carta branca
Os opositores ao presidente da Venezuela, Hugo Chávez, tinham razão em não comemorar muito o resultado das eleições legislativas de 26 de setembro – quando o governo perdeu a maioria qualificada para a próxima Assembleia Nacional, que tomará posse em 5 de janeiro. Chávez, dizia a oposição, poderia usar os três meses restantes de parlamento chapa-branca para aprovar o que quisesse. E assim foi. Os deputados chavistas aprovaram na semana passada uma nova lei, a Lei Habilitante, que autoriza o presidente a governar por meio de decretos-leis durante um ano. Estava dado o golpe.
Para pedir os superpoderes legislativos, Chávez alegou haver urgência no auxílio às vítimas das chuvas que caem sobre a Venezuela desde novembro. As enchentes deixaram ao menos 40 mortos e atingiram 130 mil pessoas. Seria uma justificativa louvável, não fosse um embuste. A lei venezuelana prevê outros meios de resposta a tragédias naturais, como a “decretação de caráter de emergência”. O governo da vizinha Colômbia, que sofreu muito mais danos com as chuvas, nem cogitou legislar por conta própria para se recuperar. A Lei Habilitante não era uma necessidade premente – e não há justificativa alguma para que vigore por um período tão longo.
A verdadeira motivação de Chávez fica explícita no próprio texto enviado à Assembleia. O Executivo se dá ao direito de criar leis sobre áreas que nada têm a ver com assistência a desabrigados, como telecomunicações, sistema financeiro privado e defesa nacional. “Não por acaso, o texto é extremamente genérico, sem foco. Assim, Chávez terá liberdade para fazer o que quiser e dizer que está agindo dentro da lei”, afirma Ricardo Sucre, cientista político da Universidade Central da Venezuela. Com a Habilitante vigente por quase todo o ano que vem, Chávez atenua bastante a última derrota eleitoral. Os 61 deputados da oposição que iniciarão seus mandatos em janeiro deteriam as medidas chavistas na Assembleia. Era essa mensagem que a maioria dos venezuelanos queria passar a Chávez quando foi às urnas. Mas que presidente precisa de Legislativo para governar se ele mesmo pode fazer as leis?
Não é a primeira vez que Chávez usa esse artifício – já foram três desde que Chávez chegou ao poder, em 1999. Na última, em fevereiro de 2007, a Assembleia aprovou uma Habilitante de 18 meses (a Constituição chavista não fixa um limite de vigência nem o âmbito dessa lei). Chávez aproveitou. Entre outras medidas, nacionalizou todo o setor petrolífero e fez várias reformas na estrutura das Forças Armadas.
“Chávez terá liberdade para fazer o que quiser e se dizer dentro da lei”
RICARDO SUCRE, cientista político
A quem o acusa de empurrar a Venezuela rumo a uma ditadura, Chávez sempre diz que continua no poder pela vontade do povo e que não faz nada que esteja fora da Constituição. É verdade. Mas a história mostra que a lei muitas vezes funciona como um disfarce para regimes totalitários. O nazismo de Adolf Hitler começou com um verniz de legalidade, justamente também por meio de uma lei habilitante. Em março de 1933, o Parlamento alemão lhe deu poderes para criar decretos e leis sem nenhuma restrição de temas. O aval parlamentar foi renovado seguidamente, e o Legislativo se tornou um poder fictício na Alemanha.
Os desmandos de Chávez não se comparam aos de Hitler, é claro. Mas chegam a um nível alarmante. Os deputados da oposição denunciaram à Organização dos Estados Americanos o que chamam de “violação muito grave do estado de direito no país”. Para a Comissão Interamericana de Direitos Humanos, a Lei Habilitante é um risco às garantias individuais. Os protestos populares voltaram a ocorrer nas ruas de Caracas – e não só por causa da Habilitante.
Carlos Garcia Rawlins/Reuters
PROTESTOS

Manifestante anti-Chávez segura cartaz com os dizeres “Abaixo a mordaça, não queremos ditadura”, em frente à Assembleia
Desesperado com o fim iminente da Assembleia dócil, Chávez também pressiona seus deputados a votar duas outras leis: a Lei de Responsabilidade Social em Rádio e Televisão e uma reforma na Lei de Telecomunicações, já aprovada em primeiro turno no fim da semana passada. Ambas têm o mesmo objetivo: amordaçar a imprensa e ampliar o controle do Estado sobre todos os meios de comunicação, da televisão às redes sociais. Há ainda um projeto de lei que proíbe ONGs “políticas” de receber verba do exterior e até mesmo de convidar estrangeiros que tenham falado mal do governo de Chávez.
Como todos os projetos têm sido avaliados no atropelo, é possível que Chávez consiga aprovar tudo a tempo e comece 2011 tranquilo. As próximas eleições presidenciais estão previstas para dezembro de 2012. O “povo” – pelo qual Chávez diz “morrer” – terá, então, a chance de mostrar se concorda com suas decisões. Em caso de derrota nas urnas, Chávez poderá então tentar manter seu poder de ditador sem disfarces como a Lei Habilitante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário