11 de abr. de 2011

Quem amamentou Wellington?


Siro Darlan
A tragédia de Realengo que custou a vida de 13 pessoas exige uma reflexão, não para identificar culpados e inocentes, mas para crescer ante esse fato antes nunca visto na escola do Brasil. Era previsível já que o perfil do jovem Wellington, se acompanhado por familiares e comunidade poderia ter gerado ações preventivas. Aliás, o sistema sócio educativo está cheio de adolescentes com esse mesmo perfil e, quem sabe agora haja um maior investimento no tratamento adequado.
Pouco se sabe sobre o perfil do responsável pela chacina porque sempre viveu ignorado tanto por seus familiares quanto por seus vizinhos e professores. O que se diz que ele era muito reservado, falava com poucos e tinha hábitos desconhecidos. Gostava de curtir sua solidão com a web. Não tinha namoradas, nem amigos.
Adotado apresentava um histórico de abandono por seus pais biológicos e a mãe biológica fora diagnosticada portadora de problemas mentais. Pelas manifestações de seus dois irmãos era um estranho em seu meio familiar. Perdeu há pouco tempo o pai adotivo e sua mãe, que parece, pelo conteúdo da carta que escreveu, a única referência de atenção que conhecera, tanto que manifestou o desejo de ser enterrado em sua companhia.
A solidão de seus 23 anos o oprimia e mesmo tendo freqüentado a escola onde perpetrou o crime planejado durante pelo menos três anos faltaram os recursos necessários para identificar a doença e lhe fazer companhia como era desejado. Recomendou cuidados religiosos com seu corpo que nunca fora tocado por uma mulher: afirmara-se virgem.
Pelo perfil das vítimas, mulheres em sua quase totalidade, parece que não foi amamentado nem com alimento, nem com a atenção. A forma cruel com que destinou às pobres meninas os tiros fatais atingindo o rosto para deformá-las e o tórax para não haver erros em seus desígnios demonstram o desprezo que tinha pelo sexo feminino.
Qualquer análise agora tem caráter especulativo, mas é de ser perguntar além da falta da maternidade, terá sido vítima do desprezo ou de bulling por parte de pessoas do sexo feminino? Que mulheres atormentaram sua solitária existência para serem tão odiadas? Além do abandono da mãe biológica, que outras mulheres o desprezaram ou maltrataram?
Como encaminhar as soluções para que casos assim não se repitam? Ninguém desconhece que o ambiente escolar tem sido contaminado por vários tipos de violência que se contextualiza em diversos segmentos sociais a partir da família. Algumas propostas já foram feitas para administrar conflitos e prevenir violências nas escolas.
É necessário praticar, aprender a ouvir, a dialogar, construindo vínculo entre diferentes dentro da escola (crianças, jovens, professores, funcionários, gestores e famílias) e entre a escola e o mundo lá fora (poder público e sociedade, universidades e empresas).
Por que, ao ver alguém como absolutamente outro, parte-se desde logo de uma lógica de exclusão, sem antes tentar entender melhor o que está em jogo e tentar aprender com as diferenças?
O modelo participativo a ser implantado deve estar atento às diversidades culturais e sociais e não excludente. O Projeto de Justiça Restaurativa que se experimenta em algumas cidades brasileiras e que já está consagrado em outros países como a Nova Zelândia, por exemplo, representa um esforço na construção de um modelo socialmente democrático de resolução de conflitos, marcado por um forte envolvimento comunitário.
O projeto é pautado por uma busca de promoção de responsabilidade ativa e cidadã das comunidades e escolas em que se insere e baseia-se na parceria primeira entre justiça e educação para a construção de espaços de resolução de conflitos e de sinergias de ação, em âmbito escolar, comunitário e forense.
Além desses projetos, são necessárias ações como dotar as escolas de orientadores educacionais, psicólogos e pedagogos que acompanhem os estudantes e seus familiares, assim como fomentar a institucionalização das Escolas de Pais, instrumentos de apoio e orientação das famílias nesse difícil e complexo processo educacional de formar cidadãos.
O que faltou a Wellington continua faltando a milhares de crianças brasileiras, sobretudo naquelas que habitam temporariamente as instituições de cumprimento de medidas sócio educativas. A qualquer momento tragédias como a de Realengo podem se repetir e não é admissível que administradores públicos continuem se fazendo de inocentes.
O abandono afetivo, psicológico, assistencial, educacional, familiar e, sobretudo a ausência de políticas públicas que respeitem e efetivem os direitos fundamentais de crianças e adolescentes são os ingredientes para novas violências. Quando as crianças são amamentadas com violência, respondem com violência. Quando são tratadas com respeito e afeto são cidadãos do bem e exalam amor e solidariedade. 

[Desembargador do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, membro da Associação Juízes para a democracia e estagiário da Escola Superior de Guerra ]

2 comentários:

  1. Discordo: ao que parece o Assassino nao foi tratado com violência: -foi adotado por um pai e uma mãe amorosos.Mas,AMOR NÃO CURA INSANIDADE!
    Penso que , quem falhou neste caso foi a escola, os professores tinham tudo para avaliar [ já que a familia do rapaz nao possuía visão para tal]a mente psicótica do atirador, assim podemos ver pelos relatos. Não viram por omissão, ou por incompetência mesmo. Onde a Orientadora desta Escola? Pedagogia oferece ferramentas para diagnósticos de comportamentos ANORMAIS.
    Quem amamentou este Monstro foi nosso Sistema Educacional frágil e vicioso.
    Luiza de Alcantara -RJ [ PEDAGOGA]

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  2. Cara Luiza - lamentável você, como pedagoga vestir o chapéu das inúmeras acusações que são diariamente imputadas às escolas e aos professores. Se você atua em escola, bem deve saber o quanto se tenta fazer e se esforça para dar aos alunos o que os mesmos, muitas vezes não recebem da família e da sciedade. E, desde quando a escola "tem tudo para avaliar e diagnosticar uma mentalidade psic´tica? Mesmo porque, comportamento retraído nem sempre se transforma em psicose, rejeição social nem sempre resulta em mentes criminosas, e para constatar isso basta comparar as estatísticas de excluídos com as da criminalidade. Quando as escolas detectam comportamentos estranhos e tudo que fazem para melhorar não surte efeitos e tenta encaminhar para serviços especializados, consegue? E não acontece inúmeras vezes de a família não aceitar os prognósticos e a ajuda oferecida, voltando-se contra a escola? Se quando os professores detectam comportamentos "anormais" e pedem providências de outras instâncias, não são tachados de preconceituosos, rotuladores, etc?
    Luiza, a escola não é um centro clínico (embora se exija isto dela) e não é um templo de salvação psiquica. A escola é apenas um espaço muito importante de oportunidades, que alguns aproveitam melhor que outros.
    Siro Darlan - Parabéns pela visão mais ampla. Esse trágico acontecimento nos obriga a repensar o que existe de empenho em prevenir as as psicopatias sociais. Não se trata de retomar a questão do desarmamento, mas a de mobilizar a sociedade para uma civilidade sadia que não necessite nem deseje fazer uso desse vil instrumento.

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