30 de mar. de 2011

Alencar foi o carimbo liberal de que Lula precisava  para se eleger, diz cientista político

Ex-vice-presidente manteve a lealdade ao petista durante todo o governo

Ricardo Stuckert/29.03.2010/Presidência 
                                  Ricardo Stuckert/29.03.2010/Presidência
Alencar ajudou a quebrar desconfianças do empresariado em relação ao PT
e a Lula
A parceria entre o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu vice, José Alencar, que morreu nesta terça-feira (29), ajudou a mudar os rumos recentes da política brasileira. Foi uma aliança que fez diferença para a vitória nas eleições de 2002, conta o cientista político da Unirio (Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro), José Paulo Martins Junior.

- O PT já era vinha migrando para o centro, desde 1998 e 2000, mas aliança com o PL de Alencar é o que sela isso e leva Lula à Presidência da República.
Martins explica que Alencar teve um papel importante ao fazer a ponte entre o PT e o empresariado, já que havia desconfiança mútua entre o partido e o setor. Segundo ele, a escolha do vice ajuda a fechar coalizões e alianças eleitorais, por questões de organização ou de ideologia.
- O PT já uma base nacional bastante solidificada, mas faltava ali o carimbo liberal. José Alencar trouxe uma moderação que alguns setores importantes da sociedade não viam no PT.
Ontem, ao falar sobre o amigo e aliado, Lula recordou que, antes da eleição em 2003, sua chapa sempre obtinha votações na casa dos 30% do eleitorado, insuficientes para elegê-lo. E que, naquele ano, viu Alencar como "o vice que vai fazer com que eu ganhe a eleição".
- Eu precisava do restante e o restante era o Zé Alencar. Quando o conheci, eu disse: ‘encontrei o meu vice’. 
Wagner Iglecias, sociólogo da Escola de Artes, Ciências e Humanidades da USP (Universidade de São Paulo), lembra que o medo em relação a Lula e ao PT era grande antes da década de 1990, o que levou um ex-presidente da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo) a dizer que, caso Lula vencesse as eleições, milhares de empresários sairiam do país.
Cumprindo o papel de representante dos empresários, Alencar sempre bateu na tecla das mudanças na economia durante os oito anos em que ocupou o cargo de vice, explica Iglecias.
- Ele tece o papel de fazer o embate contra uma política econômica defendida por uma parte do governo, sobretudo, pelo Banco Central e Ministério da Fazenda.
Alencar defendia a redução da taxa de juros, para fazer com que o dinheiro fosse investido em produção e geração de renda. Com taxas de juros altas, a tendência é que os recursos parem no mercado financeiro.
- De certa forma, Alencar venceu essa batalha. Embora tenha sido austera, a política do governo Lula contemplou o crédito e levou milhões de pessoas para o consumo. O Brasil mudou.
Ao lado de Lula
O relacionamento entre Lula e Alencar era mais do que uma aliança política, segundo definição do próprio Lula: era de “irmãos, de pai e filho”.
O sociólogo da Unirio avalia que a amizade entre os dois ajudou na manutenção da parceria por tantos anos.
- Os políticos nunca conseguem confiar totalmente uns nuns outros. Agora mesmo, o vice-governador de São Paulo [Guilherme Afif] que migrou do DEM para o PSD [partido criado por Gilberto Kassab]. Isso sempre gera algum tipo de incômodo para o titular do cargo. No caso do José Alencar, sempre houve um entrosamento.
Martins lembra que, durante o episódio do mensalão, em 2005, Alencar manteve a lealdade em relação ao presidente. Ele deixou o PL, partido acusado de receber dinheiro em troca de apoio, e fundou o PRB.
- Alencar poderia ter a ambição de derrubar o Lula, assumir a presidência, mas isso nunca aconteceu. Ele nunca demonstrou esse apetite.
Wagner Iglecias, da USP, afirma que Alencar sempre soube manter a discrição, embora tenha dado uma nova dimensão ao papel de vice.
- Ele sabia que o papel dele não era o de presidente e que ele nunca teria o mesmo carisma que o Lula. Mas a instituição da vice-presidência ficou diferente depois dele. Alencar tinha uma informalidade, um jeito bem humorado. Assim como Lula, ele quebrou a solenidade do cargo.
Os especialistas concordam que a luta contra o câncer proporcionou a Alencar uma visibilidade que normalmente os vices não têm.
Martins diz que “enfrentando a doença como enfrentou e se abrindo, ele ganhou pontos [da população”.
- Era a imagem de alguém leal, guerreiro, e o Lula acabou mesmo reconhecendo o papel importante que ele desempenhou.

Nenhum comentário:

Postar um comentário