Reforma política:
-a não ser pelo voto distrital, a montanha vai dar à luz um rato
Bolívar Lamounier
Outro dia eu me empenhei aqui em fazer justiça à comissão de reforma política do Senado. Observei que ela vem ao menos mostrando certa audácia, ao aprovar algumas propostas que o meio político tende a considerar indigestas. A do fim das coligações entre partidos em eleições legislativas é um bom exemplo.
O fim das coligações seria benéfico para o funcionamento do sistema político. Ajudaria a simplificar e robustecer a estrutura partidária. Mas a chance de ser aprovado é remota, por duas razões. Primeiro, os “nanicos” vão combatê-la com unhas e dentes. Segundo, a opinião pública não se engajará a favor dela, até porque é uma questão de difícil entendimento para o leigo em legislação eleitoral.
De fato, não é fácil mobilizar a opinião pública em torno de tal reforma. No momento atual, muitos eleitores parecem imbuídos de idéias completamente utópicas sobre política, partidos e legislativo – vale dizer, sobre a própria democracia. Não aceitam conversar sobre nada inferior ao paraíso. Na outra ponta, há uma ingenuidade rigorosamente simétrica: outros tantos parecem mais interessados em dar vazão a um azedume, um sentimento difuso de hostilidade. Querem é matar e esfolar. Assim, convenhamos, fica difícil.
Mas a questão de fundo é perfeitamente cabível: utopias e ressentimentos à parte, por que a sociedade haveria de demandar uma reforma política? Eu diria que existem pelo menos três razões importantes.
Primeiro, money. A democracia custa dinheiro, e vale o dinheiro que custa, isso é óbvio. Mas as regras político-institucionais brasileiras parecem-me embutir um custo exagerado, e quem arca com ele evidentemente somos nós, os contribuintes. Não há, todo ano, uma grita generalizada contra os salários dos deputados e senadores (e cada vez mais contra os dos juízes também)? A qualidade do gasto público também poderia melhorar bastante com uma melhor distribuição das bancadas entre a capital e o interior dos estados.
Se dependesse de mim, a reforma começaria pelo tamanho exagerado do Congresso. Levantei essa questão quando membro da Comissão de Estudos Constitucionais (a “Comissão Afonso Arinos”). Por que o Brasil precisa de uma Câmara maior que a dos Estados Unidos? Por que três senadores por estado? Não vejo razão nenhuma.
Um Congresso menor com certeza funcionaria melhor; mas esta, até onde a vista alcança, é outra proposta politicamente inviável. O momento adequado para tal redução teria sido a Constituinte. Chance perdida. A ironia é que os parlamentares teriam individualmente mais poder, e o exerceriam com mais qualidade, se não fossem um corpo tão numeroso.
Segundo, valores morais. O sistema vigente de eleições, especialmente, já deu sobejas provas de afinidade com a corrupção. No meu modo de ver, cada cidadão honesto tem um motivo bem definido para demandar reformas que a reduzam e controlem. Não quer legar a seus filhos e netos um país degradado como o Brasil é atualmente nesse aspecto.
Para dar efetivo combate à corrupção, há muito a fazer em termos de legislação e na esfera do Judiciário – haja vista a alta chance de absolvição dos mensaleiros em razão da prescrição do crime de formação de quadrilha antes que o STF providencie o julgamento. No entanto, a corrupção tem raízes autônomas e específicas no arcabouço político, desde logo no financiamento das campanhas eleitorais.
Em terceiro e último lugar, o cidadão há de querer a preservação e o aprimoramento das instituições democráticas, e aqui o ponto crítico é o Legislativo.
A degradação do Legislativo não é uma danse sur place, e sim um processo que tende a se deslocar, se nada for feito, para um equilíbrio cada vez pior. Isto porque uma de suas principais causas é um círculo vicioso entre o recrutamento de candidatos, por um lado, e a impotência e péssima imagem do Congresso, pelo outro.
Diante de uma instituição que se desmoraliza a olhos vistos, a chance de cidadãos habilitados e pessoalmente corretos se apresentarem tende a diminuir, isto é óbvio.A conseqüência é que o Congresso piora mais um pouco, o recrutamento mais um pouco, e por aí vai.
Se nada de eficaz for feito para reverter a atual tendência, parece fora de dúvida que os partidos e o próprio Legislativo atingirão o limbo da irrelevância dentro de uma década ou uma década e meia. Vão sobreviver? Sim, vão, mas como instituições meramente cartoriais, ou seja, necessárias tão-somente para manter as aparências externas do sistema representativo e chancelar formalmente os atos de governo que o requeiram.
Volto, pois, à questão: por que a sociedade – os representados – não se manifestam, não demandam, não pressionam por uma reforma efetiva? No fundo, pelas mesmas razões que levam os representantes a não fazê-la por sua própria iniciativa: 1) a complexidade real das questões; 2) divergências ideológicas e partidárias: as contradições que existem no Congresso existem também na sociedade; (3) diagnósticos desencontrados: conduzidas exclusivamente no âmbito parlamentar e sem embasamento técnico adequado, as discussões são insuficientes para dissipam as dúvidas e formar reais convicções.
O que distingue os políticos dos cidadãos é um quarto ponto. Os políticos não fazem a reforma sobretudo porque têm um interesse consolidado no sistema vigente. Sabem como se reeleger dentro dele. Não querem trocar o certo pelo incerto.
No caso dos eleitores, o que há é um problema quase insolúvel de mobilização e participação. Mesmo com o avanço das redes sociais, organizar uma ação coletiva, de qualquer tipo, é dificílimo.
Por todas as razões acima, eu vejo com bons olhos a idéia de implantar já em 2012 o voto distrital nas cidades de mais de 200 mil habitantes. Não há razão alguma para termos exatamente o mesmo mecanismo eleitoral no nível federal, no estadual e em todos os 5800 municípios do país. Isso é uma fixação brasileira em fórmulas simétricas, que nada tem a ver com a realidade da vida política. Imagino que os prefeitos, vereadores e eleitores de tais cidades se interessariam por tal proposta.
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