O Brasil das caixas pretas
João Bosco Leal
Vinte meses atrás, em junho de 2009, o Conselho Nacional de Justiça – CNJ, determinou que as ‘caixas-pretas’ dos carros oficiais do Poder Judiciário fossem abertas, dando visibilidade pública a essas informações, que agora foram buscadas pelo jornal O Estado de São Paulo para a realização de uma reportagem.
Dos 27 Tribunais de Justiça do país, 9 sequer responderam à reportagem, e os 18 que responderam informaram possuir 1.270 veículos dos modelos Corolla, Vectra, Astra ou semelhantes, à disposição dos seus juízes e desembargadores. Apenas 10 desses 18 já disponibilizam essa informação pela internet, como manda o Conselho.
Não se questiona a necessidade de um desembargador ter um, dois ou três veículos à sua disposição. Não é isso o que interessa. No momento, isso é o de menos. O que a reportagem busca, e que certamente é o mesmo que milhões de brasileiros, é a transparência cristalina daqueles que, pelo menos teoricamente, não deveriam ter o que esconder.
Moradores do Acre, Mato Grosso, Distrito Federal e Sergipe, interessados nessa informação sobre os Tribunais de Justiça de seus Estados, devem simplesmente entrar no site do Tribunal de Justiça do Estado, clicar no link ‘Transparência’ e depois em ‘Lista de Veículos’, e encontrarão as informações detalhadas.
Há Estados porém, como o Rio de Janeiro, onde, para obter a mesma informação, o contribuinte certamente se perderá no longo caminho imposto pelo TJ local em seu site. Terá de clicar em ‘Institucional’, procurar ‘Diretorias’ para clicar novamente, depois adivinhar, encontrar e clicar em ‘DGLOG’ e, finalmente, clicar no link onde se lê ‘Em cumprimento ao artigo 5º da Resolução 83/2009 do CNJ – clique aqui para ver a planilha’.
Certamente esse caminho não foi imposto pela ignorância do programador do referido site. Foi pensado, criado exatamente com essas dificuldades, e implantado no site em cumprimento a ordens recebidas pelo programador, até como um modo gozador, jocoso, de se cumprir a determinação do CNJ. Mesmo assim, essas informações só foram disponibilizadas no site do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, após o questionamento do jornal.
A reportagem diz ainda que, além do RJ, os Tribunais do Espírito Santo, Goiás, Paraná e Pernambuco, entre outros não publicam a lista em seus sites como determina o CNJ. Outros publicam, mas não no link ‘Transparência’, e sim em locais de tão difícil acesso que o repórter precisou recorrer às assessorias de imprensa para localizá-la.
Não existe punição para os juízes e desembargadores contrários ao princípios da transparência, e o CNJ diz que sua intenção não é punir, mas fazer com que os mesmos levem em consideração o interesse público. Informa ainda, que só nas próximas semanas realizará um acompanhamento para verificar se as listas dos carros estão sendo divulgadas, e em que condições.
Ao se comportarem dessa maneira, os membros desses Tribunais só fazem por despertar na população a imaginação de que lá existe algo ilegal. Em um país onde a corrupção é cada vez mais comum em todos os setores da sociedade, e também nos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, essa imaginação popular passa a ser uma certeza, desmoralizando assim, inclusive os não corruptos, e, consequentemente, ameaçando a democracia.
Diz ainda o jornal, que todos os sites dos Tribunais Regionais Federais e as respectivas Seções Judiciárias nos Estados possuem os portais transparência com formato padronizado, com informações detalhadas sobre carros oficiais, gastos com funcionários, e outras sobre a gestão do órgão, que é o que se espera, como esclarecimento mínimo, à quem paga a conta.
Se esses Tribunais já se organizaram como quer o CNJ, e exige o cidadão em uma democracia plena, qual a dificuldade encontrada pelos Tribunais de Justiça Estaduais para seu cumprimento, senão o que é popularmente conhecido como as ‘caixas pretas’, os segredos ilegais e não divulgáveis? A transparência determinada pelo CNJ, nada mais é do que, em um país realmente democrático, e livre de distorções comportamentais humanas e corrupções, uma simples obrigação de todos os Poderes Constituídos.
Como no Brasil tudo é diferente, esse comportamento dos Tribunais de Justiça, órgãos máximos do Poder Judiciário nos Estados, exatamente aqueles que deveriam ser os responsáveis pela cobrança do cumprimento das normas, regras e leis vigentes no país, demonstra a irresponsabilidade e a impunidade que nele reinam.
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