11 de abr. de 2011

POR QUE FECHAR OS OLHOS PRA HIPÓTESE DA MISOGINIA?

Quinta-feira, quando aconteceu o massacre na escola em Realengo, houve uma onda de boataria no Twitter. 
 
Disseram que o assassino era ateu, muçulmano (olha o preconceito aí! 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
 
A carta dele aponta pra outro tipo de fanatismo religioso), HIV positivo, sei lá mais o quê. O que me chocou é que, no meio de todas essas fofocas, tão poucos falaram o que parecia óbvio ― a diferença entre o número de vítimas meninas e meninos. 
 
A Valéria foi a primeira que eu vi falar em feminicídio, no Twitter, ainda na manhã de quinta. Mas o que eu lia era todo tipo de coisa pra explicar essa diferença no gênero das vítimas: desde que meninas são boas alunas, portanto chegam mais cedo e sentam na frente da sala, ao incrível “meninas correm menos, então não conseguiram fugir” (vídeos mostram muitas meninas e meninos deixando em disparada a sala onde estava o assassino. As meninas parecem correr bastante bem). No decorrer do dia, apareceram vários depoimentos de testemunhas dizendo que Wellington alvejava as meninas, que atirava nelas na cabeça, para matar, que ele matava as bonitas, e até um boato de que perguntava pras suas vítimas se eram virgens.
Ontem vi o Jornal Nacional e não se falou uma só palavra sobre crime de ódio. Pelo contrário, algum especialista bateu na tecla das meninas sentarem na frente (apesar de, aparentemente, não ter havido execução de crianças sentadas; meninas estavam amontoadas próximas à parede). Não entendo essa recusa em ao menos se discutir o óbvio (que dez meninas e dois meninos morreram, que há muito mais meninas feridas que meninos). Isso não significa de maneira alguma justificar a tragédia, mas debater algumas possibilidades.
 



É chato ver até feministas cheias de dedos pra discutir a misoginia como uma das possíveis causas dessa tragédia (ainda mais porque o assassino falava tanto em impureza, o que claramente tem um caráter sexual, e porque outros casos parecidos têm a misoginia como marca registrada, como registrei no post de ontem). Se a gente, que lida frequentemente com temas como machismo e misoginia, não vai chamar o massacre pelo nome ― crime de ódio, feminicídio ―, certamente não será a grande mídia que o fará. É triste admitir que, pela primeira vez na vida, concordo com um reaça histriônico como Luis Carlos Prates (demitido da RBS por criticar pobres que têm carro, agora no SBT). Veja aqui o que ele disse ontem.
Claro que não concordo com tudo que ele diz. Nem com a metade. Não sou fascista. Acredito sim que todos têm direito a um julgamento e a uma defesa, e sou contra a pena de morte. Mas nada disso está em discussão neste caso de Realengo. Não tenho dúvida que Wellington se suicidou. Ele deixou uma carta de despedida, destruiu seus pertences, fez tudo planejado ― sem falar que o suicídio é comum em casos desse tipo. O policial atirou nele, e assim salvou várias vidas (porque Wellington estava indo para outro andar e ainda tinha 17 cartuchos de munição), mas o psicopata não ia sair vivo da escola, de um jeito ou de outro (e também não tenho nada contra um policial atirar num criminoso em legítima defesa). A gente sabe que esse discursinho prateado é sempre usado pra condenar quem defende direitos humanos. Enfim. O momento não é para se discutir direitos humanos, a aplicação da lei penal ou a segurança das escolas, como prefere Prates, mas o facílimo acesso que cidadãos têm a armamentos.

E talvez o bullying. 
E a misoginia.

Eu tampouco tenho a fúria do Prates pra sair chamando todo mundo de “covardes de uma figa”. Mas minha pergunta (que escrevi na noite de quinta) é a mesma: por que não se fala em crime de ódio? Quero acreditar que é por prudência, que é por não querer levantar hipóteses antes que surjam mais provas ― mas dez meninas mortas, uma carta falando em “impurezas”, e testemunhos de que Wellington atirava em garotas não seriam provas suficientes?

 





Insisto, vamos chamar o que houve pelo nome: foi um crime de ódio. Feminicídio, em outras palavras.

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