"Dilma deve ter um divisa democrática": cada macaco no seu galho
Não faz tempo, o presidente do Supremo Tribunal Federal, Cezar Peluso, defendeu que se instituísse um modelo de controle prévio da constitucionalidade para projetos aprovados pelo Congresso e enviados à sanção presidencial. A intenção do ministro era a melhor possível: evitar casos como o do Ficha Limpa. Embora flagrantemente inconstitucional, teve o parecer favorável das Comissões de Constituição e Justiça da Câmara e do Senado, da Advocacia Geral da União e da Casa Civil do governo. O resultado foi a bagunça que se viu. Peluso deve ter pensado: “Por que não evitar a confusão?” E como seria feito esse controle?
Com uma consulta prévia ao STF, que diria, então, se a proposta é ou não constitucional. Reagi aqui: “Como assim? A nossa corte suprema agora é grupo de assessoramento do Legislativo ou do Executivo?” Estava claro, pra mim, que havia na proposta um choque de competências. O pragmatismo até poderia sair ganhando, mas a democracia perderia. Os Poderes são harmônicos, sim, mas também são independentes. De resto, no caso do Ficha Limpa, viu-se um placar de 6 a 5 contra a aplicação da lei já em 2010. Vale dizer: a tal consulta prévia teria esclarecido muito pouco, a menos que cada ministro fosse chamado a opinar, como num julgamento. Peluso desistiu da idéia, felizmente.
Lê-se hoje na Folha de São Paulo que a presidente Dilma Rousseff pretende fazer com o TCU uma espécie de “controle prévio da regularidade das obras públicas” do PAC. E como se operaria isso? No caso dos aeroportos, por exemplo, informa o jornal, “o governo negocia um convênio entre a Secretaria de Aviação Civil e o TCU, que treinaria os funcionários da secretaria envolvidos diretamente com os projetos e começaria a fiscalizar as obras antes dos prazos previstos pela legislação.” Escreve ainda a Folha: “O objetivo imediato do governo é evitar atrasos que comprometam a realização da Copa de 2014. Se a mudança der os resultados esperados, o governo poderá usar o modelo mais tarde para acelerar outras grandes obras.”
Heeeinnn? Observem que, nesse caso, o TCU deixaria de ser um órgão de assessoramento do Legislativo para ser um braço do Poder Executivo. Parece uma boa idéia, mas é péssima. Das dez obras em aeroportos que já deveriam ter começado, seis só existem no papel. E o que o TCU ou os órgãos de fiscalização têm a ver com isso? A resposta óbvia é esta: nada! É incrível! O governo tenta responder à própria incompetência com um processo de desinstitucionalização do país. Parece que as obras da Copa não podem ser tocadas segundo o aparato jurídico-institucional que temos. A proposta tem uma aparência inofensiva, mas, na prática, engole o TCU, que acabaria “previamente” co-responsável por eventuais maracatuaias que lhe caberia apontar.
Não dá, não!
A democracia, com a conseqüente divisão de Poderes, sob certo ponto de vista, é um atentado ao pragmatismo e até ao bom senso. Pensem bem: considerando que existem o certo e errado, o útil e o inútil, o funcional e o não-funcional, bastaria que se fizessem as coisas certas para obter o melhor resultado. Por que tantas instâncias de consulta e tantas esferas de decisão, que apelam a saberes distintos, muitas vezes contraditórios entre si, se todos sabemos distinguir o bem do mal? Pois é. As tiranias costumam se orgulhar de seu pragmatismo e de sua eficiência… Legislativo para quê? Judiciário pra quê?
O regime democrático não é apenas um método de tomada de decisão. Aliás, ouso dizer que, nesse quesito, ele nem é necessariamente o melhor e o mais eficiente. Sempre que alguém compara, por exemplo, o funcionamento do estado à rotina das empresas privadas, dou de ombros porque considero a associação uma bobagem. Empresários têm, sim, regras a cumprir e devem satisfações a seus acionistas e às leis do país. O seu papel social, no entanto, não é produzir parafusos, carros ou salgadinhos de festa; o seu papel social é produzir lucro, que, reinvestido, gera mais empregos, mais riqueza, mais bens, mais renda, mais civilização.
Esse assédio ao TCU é um óbvio despropósito e um meio de cooptação que só tem um objetivo: diminuir a vigilância do tribunal, pela qual, diga-se, o PT tanto zelava quando na oposição. E há implícito um outro absurdo: se o governo requer a ajuda do tribunal na fase prévia de feitura das obras, então admite a sua incapacidade para gerir a máquina.
Qual é? O que quer o governo Dilma? Que o país ganhe a Taça da Imoralidade nas Obras Públicas antes mesmo de disputar a da Fifa?
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