Os paradoxos que atormentam a “Cesta básica” do Governo
No Dicionário da Língua Portuguesa encontramos a seguinte definição para a palavra paradoxo: “declaração aparentemente verdadeira que leva a uma contradição lógica, ou a uma situação que contradiz a intuição comum”. Em termos simples, um paradoxo lógico consiste em duas proposições contrárias ou contraditórias. Ou seja, partindo de premissas geralmente aceites e utilizadas, é (pelo menos aparentemente) possível, em certas condições específicas, inferir duas proposições que ou afirmam exactamente o inverso uma da outra ou não podem ser ambas verdadeiras.
No âmbito da realização da 12ª Sessão ordinária do Conselho de Ministros foram aprovadas as alterações referentes aos critérios de acesso à cesta básica, uma medida recentemente aprovada pelo executivo para apoiar pessoas de baixa renda a minimizarem o elevado custo de vida, mas por incrível que pareça manteve os paradoxos que atormentam a cesta básica. Á luz de tais alterações passam a ser elegíveis ao subsídio da cesta básica todos os que tenham rendimentos inferiores ou iguais a 2.500 meticais, sendo que uma parte considerável dos trabalhadores que auferem o salário mínimo no país passa, a ser coberta por esta medida, visto que somente cobria trabalhadores do sector da agricultura, processamento agrícola, caju, floresta e fauna bravia. O salário mínimo em vigor no país, desde 2010, varia entre 1.593 meticais, pago no sector do açúcar, e 3.483 meticais, do sector da actividade financeira.
Será responsabilidade do Governo subsidiar a aquisição do cabaz mensal das famílias quando os preços estiverem em alta, isto é, existirão os preços de referência e preços de mercado, sendo que os beneficiários vão pagar os preços de referência e o Estado vai suportar a diferença. Convêm referenciar que para tal ocorra, o rendimento per capita das famílias deve ser igual ou superior a 840 meticais. A previsão inicial era de 1,8 milhão de pessoas, entre trabalhadores formais e informais (vendedores, empregados domésticos, guardas, entre outros), mas com a inclusão do grupo de pessoas que recebem o salário de até 2.500 meticais, o universo poderá aumentar, visto que abre espaço para que funcionários e agentes do Estado que auferem do salário mínimo (2.270 meticais), pescas (2.200 meticais), indústria extractiva (2.400 meticais), construção civil (2.435 meticais) tenham acesso ao subsídio do cabaz alimentar mínimo. Sem as alterações dos critérios de acesso à cesta básica, beneficiaria apenas trabalhadores do sector informal e do sector agrícola.
Se a alteração dos critérios de acesso à cesta básica permitiu a resolução de um paradoxo que advinha de que o único sector elegível ao subsídio da cesta básica era Agricultura pois tem rendimentos inferiores ou iguais a 2.000 meticais, mas parte significativa dos potências beneficiários reside em zonas rurais que não fazem parte dos residentes elegíveis dos 11 municípios, também evidenciaram outros paradoxos.
Diante do exposto, e de maneira paradoxal, pode-se aferir com convicção que parte das medidas anunciadas pelo Governo para reduzir o custo de vida não vão chegar às pessoas que mais precisam visto que de acordo com o relatório “Pobreza & Bem – Estar em Moçambique (3ª Avaliação Nacional) ” aprovado pelo Conselho de Ministros no dia 21 de Setembro de 2010, que apresenta uma avaliação quantitativa da situação da pobreza em Moçambique em 2008/09 e suas tendências associadas revela que a pobreza de consumo (medida pelo índice de incidência da pobreza), aquela que consiste na escassez de bens básicos para a subsistência, cresceu nas zonas rurais e reduziu nas cidades, isto é, no período recente (2002/03 a 2008/09), houve crescimento moderado na pobreza rural (de 55.3% para 56.9%) e uma redução moderada na pobreza urbana (de 51.5% para 49.6%) e a cesta básica abrange os residentes dos 11 municípios, cujos territórios coincidem com as capitais provinciais, devendo vigorar, experimentalmente, de Junho a Dezembro do ano em curso.
A constatação de que parte das medidas anunciadas pelo Governo para reduzir o custo de vida não vão chegar às pessoas que mais precisam, ganha forma se termos em consideração que o governo vai disponibilizar através do Orçamento de Estado do presente ano, um montante de 400 milhões de meticais para financiar a criação de pequenas e médias empresas a nível dos centros urbanos com o objectivo de gerar emprego e renda, sendo que os municípios capitais provinciais vão receber ainda este ano entre um mínimo de 8.9 e máximo de 20.7 milhões de meticais para o financiamento de programas de redução da pobreza urbana, tendo como grupos-alvo os jovens e mulheres, que de maneira coincidente constituem potenciais beneficiários da cesta básica.
Debrucemo-nos agora em relação a composição da cesta básica proposto pelo Governo. Este cabaz será composto por farinha de milho, arroz, peixe, feijão, amendoim, óleo e pão. Contudo, não se sabe que quantidades destes produtos vão compor a cesta visto que ate ao presente momento ainda não há indicações claras sobre as quantidades de cada um dos produtos a serem providenciadas. Mas convêm referir que o Ministério da Saúde estabelece que por mês uma pessoa deve consumir: 3 kg de arroz, 9.1 kg de farinha de milho, 2.0 kg de feijão seco, 0.5 kg de amendoim, 3.5 kg de peixe seco, 0.5 litro de óleo, 1.2 kg de açúcar, 1.0 kg de sal, 3.4 kg de folhas verdes e 3.6 kg de frutas da época. Presume-se que a composição da cesta básica apresentada pelo Governo assume que as famílias por iniciativa própria e tendo como referencia hábitos e costumes alimentares optarão pela aquisição dos bens complementares? Talvez sim, talvez não.…
Determinando o custo da cesta básica tendo como referencia a composição facultada pelo MISAU e com base no levantamento de preços feito pelo SIMA entre Junho e Julho de 2010, assumindo que os cereais e a farinha de milho tem mais peso no consumo (9.1 kg de farinha de milho contra 3 kg de arroz) podem ser calculados dois custos da cesta básica considerando duas fontes principais de farinha de milho: (a) Assumindo que as famílias compram grão de milho ou usam milho de produção própria que foi valorizado com base no preço no mercado local acrescido do custo de moagem de 2,00 Meticais/kg; e (b) Assumindo que as famílias compram farinha de milho processada na indústria (fonte mais cara). Assim o custo da cesta básica para uma família composta por 5 membros custa em média 6.380,00 Meticais/mês para os que compram farinha de milho processada na indústria e 5.556,00 Meticais/mês para os agregados familiares que usam grão de milho de produção própria ou que compra grão de milho no mercado e depois processam em moinhos.
Infelizmente e de maneira paradoxal, por simples aritmética pudemos constatar que os valores resultantes em ambos cálculos não são cobertos pela proposta apresentada pelo governo em virtude do somatório de 2.500 meticais (limite elegível ao subsídio) e 840 meticais (Estado vai suportar a diferença preços de referência e preços de mercado) estar abaixo do custo da cesta básica para uma família composta por 5 membros (De acordo com o Censo 2007, em media cada agregado familiar é composto por 4.4 pessoas, sendo que em Moçambique existem 4.629.026 agregados familiares) perfilando mais um paradoxo gerador de indagações. Qual a referencia para a composição e calculo do custo da cesta básica, se não usa com referencia a cesta básica definida pelo Ministério da Saúde (MISAU) nem a usada pelos sindicatos para negociar o salário mínimo?
Diante do triste, mais verdadeiro quadro dramático da realidade, há que assumir que estamos perante uma situação em que os paradoxos constituem nota dominante na provisão da “cesta básica”. Por estas e outras evidências, o que ninguém pode fazer actualmente é contrariar a realidade, porque, como é sabido, em razão do princípio da filosofia escolástica: não há argumentos contra os factos.
Por Adelson Rafael
Por Adelson Rafael
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