Preconceito dificulta integração de refugiados africanos no Brasil
Discriminação soma-se aos desafios de estrangeiros forçados a deixar seu país
Paula Resende, do R7
Divulgação/ACNUR
Refugiada angolana faz parte de grupo de africanos que refizeram suas
vidas no Brasil; preconceito dificulta inserção
Quando um gringo pergunta se há macacos pelas ruas do Brasil, é natural a irritação. Por outro lado, aqui a ugandense Tracy se vê obrigada a responder se criava leões no quintal de casa, ou se conhece um aparelho televisor “de verdade”. Ela carrega nos ombros uma infinidade de estereótipos: é mulher, africana, negra e, se não bastasse ser estrangeira, é uma refugiada.
Tracy (nome fictício escolhido pela refugiada de 34 anos de Uganda) deixou seu país em 2009, mas não porque quis. Lá ela era secretária, casada, com filhos, porém o Estado já não tinha mais condições de protegê-la dos rebeldes da região norte de seu país. Ficou sabendo que viria para o Brasil, lugar que praticamente desconhecia, na noite em que fugiu de avião e chegou a São Paulo. Não tinha opção se quisesse manter-se viva.
Com o status de refugiado, existem hoje 2.799 africanos de um total de 4.311 pessoas no Brasil, segundo dados atualizados de 2010 do Acnur (Alto Comissariado das Nações Unidas para Refugiados). Juntos, eles correspondem à expressiva parcela de 65% daqueles que vieram para cá por causa de perseguição pessoal, conflitos armados, violência generalizada ou violação massiva dos direitos humanos.
Aparente hospitalidade esconde preconceito
O Brasil se orgulha de ser parte de um grupo de países dispostos a abrigar essas pessoas e, particularmente, de oferecer um ambiente seguro e hospitaleiro. No dia a dia de um refugiado, porém, os braços nem sempre estão abertos.
Ao R7, Tracy conta que sofre preconceito de alguns setores da sociedade, ainda mais quando percebem que é africana e refugiada.
- Existem aqueles que entendem o seu problema e outros que tiram sarro de você, como se não fizesse parte deste mundo. Já sofri preconceito em alguns trabalhos. Eles te dão mais coisas para fazer, exigem mais do que o normal.
O refugiado Mateus Vicente Costa, hoje com 34 anos, encarou uma avalanche de adaptações aos 21 anos, recém-fugido de uma brutal guerra civil em Angola. O fato de ser negro e pobre só intensificou os desafios, em sua opinião.
- O começo foi muito estarrecedor. O fato de ser africano e estar sem dinheiro complicava ainda mais a situação. Foi uma época muito triste.
Inserção na sociedade é estressante e difícil
Para os refugiados ouvidos pelo R7, a parte mais delicada de um processo de refúgio é a inserção na sociedade. Os desafios vêm ao mesmo tempo, e com urgência: nova língua, cultura, emprego, moradia, independência financeira.
Parte do maior grupo de refugiados do Brasil (39% de todos os abrigados), Costa chegou durante a intensa imigração angolana nos anos 1990, quando a economia do país era muito mais frágil.
- Apesar do desemprego, consegui me inserir no mercado de trabalho através de cursos profissionalizantes no Rio de Janeiro. Hoje me sinto mais brasileiro do que angolano, mas só quem um dia imigrou sem aquela pompa sabe como é difícil.
O português no meio do caminho
Há dois anos no Brasil e um ano com status de refugiada reconhecido, Tracy conseguiu um emprego fixo com carteira assinada somente em novembro de 2010, na área de limpeza.
A secretária que fala oito línguas quer mesmo é estudar, mas esbarra no português que ainda não lhe dá segurança para matricular-se em cursos da capital paulista.
- Eu queria avançar nos estudos, mas é difícil porque é tudo em português. Também quero conseguir um emprego melhor e finalmente trazer minha família para cá.
Nenhum comentário:
Postar um comentário