26 de mar. de 2011

Britânico que morou no Iêmen teme guerra civil

Para pesquisador, aspirações democráticas são frágeis em país sem unidade nacional
Paula Resende

Divulgação
Pesquisador da Universidade de Londres, Thanos Petouris, no Iêmen, onde passou um ano entrevistando políticos locais
 
Por anos, o presidente Ali Abdullah Saleh joga com o temor de que o país mergulharia no caos sem ele para manter o controle do Iêmen. Mas seu apoio interno está lentamente desaparecendo. Apesar das aspirações democráticas do movimento que pede a sua queda, o pesquisador da Universidade de Londres, Thanos Petouris, lembra que os interesses nos bastidores vão além do que pregam os jovens acampados por seis semanas em frente à Universidade de Sanaa.

Mudanças em uma nação dividida em tribos, com instituições políticas fracas e corruptas, podem facilmente caminhar para uma guerra civil, defende o pesquisador.

O britânico pode conferir de perto o funcionamento político do país durante o ano que passou entrevistando políticos locais como estudante PhD da Escola de Estudos Orientais e Africanos de Londres.

Em entrevista ao R7, Petouris classificou a experiência como “muito positiva” e reflete sobre os rumos do país diante das atuais manifestações que ameaçam derrubar o regime de mais de 32 anos. 

R7- Como foi a experiência de viver no Iêmen?
Thanos Petouris - Eu nunca me senti ameaçado ou em perigo no Iêmen. Consegui visitar quase todo o país, incluindo a ilha de Soqotra, e a região Hadhramaut no leste. Acho que os iemenitas são um povo muito hospitaleiro e simpático, e os jovens iemenitas, em particular, são ansiosos para aprender e promover o futuro do seu país.

R7- Qual é a natureza dos atuais protestos no país? Existe uma demanda real por democracia?
Petouris - O Iêmen é um dos países mais pobres do mundo, com altas taxas de desemprego, corrupção, índice de pobreza, com problemas ambientais (falta de água e petróleo) e taxas de desnutrição piores que do Afeganistão. Essa falta de futuro para o país e seu povo é o que, na minha opinião, levou os jovens mais educados do Iémen a sair nas ruas.

No entanto, há motivos mais profundos por trás dos grupos que apoiam a iniciativa da juventude. O movimento do sul, na terra do ex-Iêmen do Sul, vê a destituição do presidente Saleh como primeiro passo para sua independência. Já os rebeldes huthi no norte do país querem esculpir sua própria região autônoma, e gostariam de se posicionar à frente da luta pelo poder sucessão. 

Eu diria que os protestos dos jovens da Universidade de Sanaa e em outras partes agiram como um catalisador para trazer a tona as já existentes lutas de poder dentro do regime.

R7- Quais são as diferenças entre os movimentos no Iêmen das revoluções vistas no Egito e Tunísia?
Petouris - No Egito e na Tunísia, parece-me que a juventude nas ruas teve um efeito mais direto sobre a mudança política. Eles se moveram rapidamente para formar uma aliança com as forças armadas do país. No caso do Iêmen, a juventude não parece deter o poder político. O papel das tribos como unidade de organização política continua a ser muito importante e relevante, e o Exército já dividiu em duas facções. Eu acho que o país dá passos mais para perto de uma guerra civil ao invés de uma solução política.

R7- A Arábia Saudita e outros na península Arábica falam que o Irã estaria tentando tirar proveito da situação no Iêmen. No entanto, não há muita evidência sobre essa influência. Qual é a sua opinião?
Petouris - O Irã tem tratado as recentes manifestações árabes como uma continuação da revolução iraniana de 1979, e manifestou o seu apoio para todas elas. No entanto, é verdade, como você diz, que não há provas substanciais de que o Irã tem dado armas e dinheiro em prol de uma insurreição xiita nesses países. Eu acho, por agora, tudo isso é retórica. Sem esquecer que, apesar de apoiar a revolução árabe, o Irã tem o seu movimento de oposição dentro do próprio país, e vai tentar manter um equilíbrio entre suprimir a revolução em casa, enquanto o apoiam as de fora.

R7- Os americanos não têm se pronunciado muito sobre a revolução no Iêmen, um país aliado. Como eles poderiam prevenir uma desintegração do governo central?
Petouris - A forma como os políticos dos EUA vêem o Iêmen é através das lentes de suas estratégias de combate ao terrorismo. O que importa é que tenham atingido um bom nível de cooperação e entendimento com o governo para oferecer apoio financeiro, equipamentos e enviar equipes para a formação de unidades militares iemenitas contra o terrorismo.
O que os torna nervosos é se um próximo presidente seguirá as mesmas políticas. Ao mesmo tempo, os EUA tem medo que a maior agitação no Iêmen dará a grupos radicais a oportunidade de recrutar mais membros. É por isso que os EUA não tem sido capaz de expressar algo além do que "preocupação" sobre o que vem acontecendo no Iêmen.

R7- No caso do presidente Ali Abdullah Saleh renunciar, ou ser derrubado, quem (ou qual grupo) pode tomar o seu lugar?
Petouris - Eu acho que na situação atual o candidato mais provável para suceder Saleh é Hameed al Ahmar, o filho do falecido xeque Abdullah al Ahmar, que foi presidente do Parlamento, e o líder da confederação tribal Hashid. O sucessor teria que fazer concessões importantes, tanto para os rebeldes huthi no norte, quanto ao movimento do sul e, essencialmente, promover uma política do federalismo, se o país continuar unido.
O interessante é que, depois das primeiras aparições em público, Hameed al Ahmar permanece discreto e, eventualmente, deixará os outros políticos esgotar-se antes de emergir como uma solução para o Iêmen.

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