"A OEA, o nacionalismo e a hipocrisia"
A decisão da Comissão Interamericana de Direitos Humanos da OEA (Organização dos Estados Americanos) de solicitar que o governo brasileiro ouça de fato as comunidades indígenas acerca da construção da Usina de Belo Monte, além de apimentar a discussão sobre o tema, trouxe à tona um outro, não menos polêmico e controverso: até que ponto solicitações como essa ferem a soberania e o direito à autodeterminação dos estados nacionais, num mundo cada vez mais globalizado.
A presidente Dilma, Sarney, Vanessa Grazziotin (PC do B) e vários articulistas "nacionalistas" se insurgiram contra o que consideram uma agressão à nossa soberania. Discursos inflamados, dos mais diversos matizes, se fizeram ouvir. Um nacionalismo eclético e pouco ideológico surgiu daqueles que fazem de tudo para defender a morte de nossos rios para atender aos interesses energéticos das mineradoras e as indústrias eletrointensivas que acham pouco revolver nosso solo, extrair nossas riquezas e deixar atrás de si um rastro de destruição e miséria.
Bom lembrar que o Plano Decenal de Expansão de Energia PDE, prevê a construção de mais de 60 Usinas Hidrelétricas. Especialistas em geração de energia, juristas, ativistas ecosocialistas, indígenas, povos tradicionais, populações ribeirinhas e muitos outros segmentos já alertaram para a farsa técnico-jurídica montada ao redor de Belo Monte, bem como revelam os irreversíveis danos ao meio ambiente e à vida se essa obra faraônica e desnecessária for levada adiante. Mas a questão assumiu novas proporções com a já mencionada recomendação da OEA.
Formalmente a OEA surgiu em 1948 e hoje congrega mais de 35 países, entre eles o Brasil, os EUA, Venezuela, Argentina, Canadá, Bolívia, Chile, Haiti, Honduras e outros países importantes de nosso continente. Entre seus princípios estão: garantir a paz e a segurança do continente; promover e consolidar a democracia representativa, respeitado o princípio da não-intervenção, além de preconizar que: todo Estado tem o direito de escolher, sem ingerências externas, seu sistema político, econômico e social, bem como de organizar-se da maneira que mais lhe convenha, e tem o dever de não intervir nos assuntos de outro Estado.
Em verdade a OEA existe para assegurar a permanência da dominação capitalista nas Américas. Seu estatuto e seus princípios visam a manutenção do atual status-quo. É, portanto, uma instituição conservadora e a serviço dos interesses das grandes potências e que tem se calado de forma vergonhosa diante de inúmeras agressões patrocinadas principalmente pelos EUA na América. A OEA foi omissa ou conivente quando a CIA e o governo americano protagonizaram uma série de golpes militares na América Latina entre as décadas de 1960 e 1970. Tratou de demonstrar subserviência a este mesmo governo americano quando decidiu, em 1962, excluir Cuba da OEA em razão da revolução socialista de 1959, contraditando flagrantemente seus princípios de que os estados têm o direito de escolher soberanamente seus governos e sistemas políticos, sociais e econômicos. Esta decisão valeu por 47 anos e só recentemente foi revogada.
Não sou um defensor da OEA, mas é forçoso reconhecer que vez ou outra, por ser suscetível a pressões sociais, ela adota resoluções progressivas. É assim na recente resolução sobre Belo Monte. Por provocação das lideranças locais e reconhecendo que o processo de oitivas foi no mínimo ridículo, a OEA sugere ao governo brasileiro que suspenda as obras até que haja uma efetiva audição dos povos indígenas afetados com a possível construção de Belo Monte.
Essa solicitação atiçou os "nacionalistas" de plantão que passaram a fazer uso do discurso, até então adormecido, da auto-determinação e do direito à soberania. Fica uma pergunta: se os povos têm direito a decidirem seus rumos porque o Brasil é ponta de lança da ocupação militar no Haiti? O que nos dizem Dilma, Sarney e Vanessa Grazziotin dessa inequívoca intervenção militar que avilta não apenas os princípios da OEA, mas de toda política séria de independência e soberania dos estados nacionais? Com a palavra o coro dos neo-nacionalistas defensores de Belo Monte.
Fernando Carneiro-Historiador
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