Chalita, o "bonito", na foto de Eduardo Knapp, da Folhapress: método criativo junta Castro Alves com os albinos na Tanzânia numa leitura realmente única!
O deputado federal Gabriel Chalita (PSB por enquanto) é mesmo um homem surpreendente. Ele andou meio bravo comigo porque cotejei uma entrevista sua com uma palestra. Em uma, seus pais eram amantes do saber; em outra, o pobre menino era esmagado por uma família infensa a seus dotes intelectuais. Também me espantei um tanto com uma velhinha num asilo, uma professora, que fazia o menino Gabriel, aos oito anos, ainda um anjo, ler Sartre… Se a minha memória não falha, quando ele devolvia o livrinho à mestra, dizia: “Não entendi nada, mas adorei!” Não entender, mas adorar, é coisa de quem aprende com o coração, entenderam?
No texto de que ele não gostou, também confronto duas informações: uma dá conta de que um apartamento espetacular em que ele mora, aqui pertinho, avaliado em R$ 8 milhões, foi comprado com parte de uma herança familiar; outra informa que ele era pobre de marré, marré, marré.
Não entendi nada, mas adorei.
Chalita está na Folha de hoje, numa entrevista a Morris Kachani. Aos 42 anos, já escreveu 7.835 livros — 54 para ser mais preciso. Diz estar com “tesão” para ser prefeito. Eu poderia escrever que os paulistanos aguardam apreensivos. Mas diriam que estou sacaneando o deputado neo-socialista, que está de mudança para o velho PMDB.
Indagado se faz literatura de auto-ajuda, respondeu:
“Não sou um autor de autoajuda. Isso é herança de quando o Serra brigou comigo. Tentou me desconstruir intelectualmente. De repente, acionou todos os seus amigos e blogueiros. Eu era o geniozinho e virei o escritor de autoajuda. Mas tudo que escrevo tem um enfoque filosófico.”
Nunca conheci ninguém menos ignorante do que o próprio Chalita que o considerasse um “geniozinho” — eventualmente aquela velhinha que o levava a ler Sartre aos oito anos… Na entrevista, ele explica o seu método de criação. E a gente entende as duas coisas: por que alguns o consideram gênio e por que, de fato, ele é um autor de auto-ajuda. Eu sei que ele me inclui entre os “blogueiros” do Serra. Como não conheço os outros, devo ser o único. Quando o ex-governador está entediado, me liga:
— Dá aí uma cacetada na obra filosófica do Chalita.
Obediente, vou lá e executo a tarefa. Afinal, se não sou eu a falar mal da obra de Chalita, quem o fará? Não há livro seu que não deixe a crítica de queixo caído. O silêncio que se ouve não é desprezo, mas estupefação diante do Maravilhoso. Ele há de entender o silêncio reverencial diante da Epifania!
Na entrevista, a gente entende por que Chalita já escreveu 7.836 livros (eram 7.835 quando comecei o post). Esta pergunta e esta resposta revelam seu método de criação:
Folha - Só no ano de 2010 foram oito livros. Como consegue ser tão prolixo? Trabalha com “ghost writer”?
Chalita - É que deve ter muito livro infantil aí. O livro que fiz com o Mauricio de Sousa, por exemplo, escrevi no avião em uma viagem de São Paulo a Natal. O “Pedagogia do Amor”, escrevi em 15 dias. “A Ética do Menino” foi no Réveillon. Estava na casa de Ângela Gutierrez em Salvador. A Milu Vilella sentou ao meu lado e disse: “Deixe-me ver como você escreve”.
É um potentado! Se Chalita fosse um ginasta, alguém diria: “Chalita, dá pirueta!” E ele daria pirueta. “Agora uma estrela!” E pimba! Na hora, lá estaria o Chalitinha encantando a todos com sua agilidade. Como é escritor, alguém se acerca e pede: “Deixe-me ver como você escreve”. E lá vai ele, segundo entendi, com uma variante da escrita automática, lançando no papel tudo o que lhe vem à mente, segundo o método da livre associação. É verdadeiramente mágico! Não fossem o Serra e seus blogueiros, seria uma unanimidade!
Chalita prepara seu 7.838º livro (o 7.837º veio à luz enquanto eu redigia o parágrafo anterior). Mais uma contribuição seminal ao pensamento, sobretudo porque ele revela que escreve sem fazer pesquisa, o que alguns já haviam percebido sem que houvesse a confissão. Leiam:
Folha - O que você está escrevendo agora, a propósito?
Chalita - Estou com um projeto sobre correspondências imaginárias entre Sócrates e Thomas More. Em dez dias nos EUA, quase acabei.
Folha - Você escreveu de cabeça, sem pesquisa?
Chalita - De cabeça, porque na verdade meu Sócrates é um camponês, e meu More é professor. Então, eu pego conceitos filosóficos, mas são diálogos. Adoro escrever cartas. Ficção com base epistolar é muito bonita.
Em outra resposta, ele deixa ainda mais claro o seu método criativo.
Folha - Como funciona seu processo de criação?
Chalita - Faço associações. Por exemplo, os rituais macabros com albinos na Tanzânia que menciono em um livro. Fiquei sabendo disso no Congresso. E eu adoro o “Navio Negreiro”, daí eu pego a coisa da Tanzânia, e penso no pássaro que o Castro Alves imaginava sobre aquela nau, vendo aquele sofrimento. Então, eu vou buscar o Castro Alves e coloco lá.
Compreendo… “A coisa da Tanzânia”, misturada a Castro Alves, resultou sabe-se lá em quê. Considerando que boa parte de seus leitores não conhece o poema, parece que se revela um segredo: estamos diante do método de criação “chupa-cabra”.
Já estou antevendo. Os “fãs” de Chalita, não sei se de modo espontâneo ou estimulado, entrarão nos comentários para dizer que estou com inveja: “Você, que só escreveu três livros, está com inveja do Chalita, que está escrevendo o 7.939º…” Epa! Ela já publicou mais do que Machado de Assis e Graciliano Ramos somados. É razoável! Aqueles dois não tinham tanto assim a dizer. Não eram dotados dessa mente fervilhante.
Chalita se coloca como “o” católico da política. Isso o obrigaria a não mentir, a não levantar falso testemunho, nem para prejudicar seus adversários nem para proteger seus aliados. Leiam o que segue:
Folha - Que pensa do aborto?
Chalita - Sou contra o aborto. Sou um defensor ardoroso do direito à vida. Há bens inalienáveis, como a vida.
Folha - Acha que Dilma e Serra também são contra ou foi apenas um jogo de cena?
Chalita - Não sei. Nas conversas com a Dilma, ela dizia que os ricos fazem e os pobres não, daí a injustiça. O Serra acho que era mais favorável.
Se Dilma disse mesmo aquilo a Chalita, falou uma grande besteira. Mas pode ser apenas a aplicação prática de seu método criativo, agora à política. Pobres e ricos fazem aborto no Brasil — os pobres mais do que os ricos numérica e percentualmente porque têm menos acesso à informação, ao planejamento familiar e a métodos contraceptivos. Mas essa desigualdade não torna o aborto justo ou injusto. Se Dilma disse mesmo essa tolice a Chalita, não posso asseverar. Em nome da verdade, o soi-disant “católico” Chalita deveria lembrar que a agora presidente fez a defesa explícita do aborto, mais de uma vez, como um “direito” da mulher — e, pois, segundo as palavras do próprio, isso não a caracteriza como uma “defensora ardorosa” da vida.
Chalita tem pela verdade o mesmo rigor evidenciado na sua produção sobre Sócrates: “O Serra acho que era mais favorável [ao aborto]“. Não há uma só declaração do ex-governador — à diferença de Dilma — em defesa da legalização do aborto ou de sua prática. O bom “católico” Chalita está apenas fazendo política mesquinha. Ele tem o direito de se opor a quem quiser, mas, para um pensador da ética, sua prática é lastimável.
Deixo claro que não o considero um escritor de auto-ajuda no sentido tradicional da expressão. Eu realmente não creio que alguém ganhe alguma coisa ao ler um livro seu. Folheei um único num consultório médico, perdido em meio a revistas “Caras” e “Quem”… Era aquele sobre a ética do menino ou algo assim… Tive um ataque de riso logo na segunda página. Os demais pacientes devem ter achado que eu tinha errado de especialista. Chalita e “auto-ajuda”, sim: sabe como ninguém ajudar o próprio autor… Ninguém pode condená-lo por isso se há quem o leia. Chalita tem de se conformar: não é um gênio; trata-se apenas de um rapaz muito esperto.
Na abertura da entrevista, informa a Folha:
” (…) enquanto posava para as fotos, [Chalita] afirmou: “Esses árabes bonitos são fáceis de fotografar”.
Ok. Sua pretensão de ser bonito chega a ser mais justa do que a de ser inteligente.