2 de abr. de 2011

    Os mortos abandonados de Fukushima
 

 

Milhares de corpos perto da central: "Estão radioativos. Deixem-nos ali".

A reportagem é de Pietro Del Re, publicada pelo jornal La Repubblica, 01-04-2011. A tradução é de Moisés Sbardelotto.

Mil corpos de homens e mulheres mortos durante o duplo cataclismo do dia 11 de março passado ainda estão apodrecendo nas poças d'água estagnadas ou entre os acúmulos de detritos ao redor da central nuclear de Fukushima. Ninguém os recolheu e ninguém os cremou, porque estão muito radioativos. Aqueles que deveriam se ocupar deles, sejam eles policiais, coveiros ou familiares, por sua vez, têm medo de ser contaminados.

As autoridades ainda não sabem o que fazer com quem, morto, incute o mesmo terror que, na Idade Média, provocavam os que tinham a peste. Isso ocorre na chamada no-go zone, a zona evacuada pelas autoridades e que circunda a instalação nuclear danificada em um raio de 20 quilômetros.

"Uma vez mortos, foram expostos a doses enormes de radioatividade", diz um agente de Okuma, na prefeitura de Fukushima, a cerca de cinco quilômetros da central. Ele explica também que, em um primeiro momento, havia se pensado em transportá-lo para além da zona de risco, para depois examiná-los. Mas a hipótese foi descartada porque era muito perigosa. "Agora, estamos estudando o modo de poder nos aproximar deles sem colocar em risco a vida dos médicos, dos parentes, mas também dos agentes funerários, porque todos poderiam ser fortemente irradiados pelos cadáveres".

Enquanto isso, algumas dessas vítimas foram identificadas graças ao DNA extraído de amostras orgânicas, que também serão descontaminadas. Ao redor da central, diversos feridos foram socorridos, todos radioativos. E também para eles as coisas se complicaram, já que numerosos hospitais recusaram-se a aceitá-los.

É nesse cenário que, nesta quinta-feira, o primeiro-ministro japonês, Naoto Kan, declarou solenemente que a central de Fukushima será logo destruída. A situação continua irresolvida, com o sistema de resfriamento de um dos reatores ainda fora de uso e uma notável dispersão de radioatividade no meio ambiente. "O Japão fará a revisão das suas políticas energéticas, mas nãao agora, dentro de algum tempo, quando a emergência estiver às nossas costas", acrescentou o primeiro-ministro.

Quanto aos níveis de radioatividade, em um túnel subterrâneo que hospeda a turbina do reator 2, a água estava 10 mil vezes acima dos limites de contaminação registrados nos reatores. A Tepco, sociedade que administra a instalação nuclear, admitiu a informação. E há uma grande preocupação também por causa da presença de césio radioativo além da norma em uma amostra de carne de novilho criado na prefeitura de Fukushima. Nessa amostra, foram encontrados 510 becquerel de césio radioativo. O nível máximo permitido é de 500 becquerel.

Nesta quinta-feira, o governo de Tóquio decidiu não estender o perímetro de evacuação ao redor da central, apesar de a AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) ter encontrado novamente altos níveis de radiação até 40 quilômetros de Fukushima. "Aumentar o acúmulo de radiações, em longo prazo, pode ser perigoso para a saúde. Continuaremos, portanto, monitorando os riscos com a máxima vigilância. Além disso, temos um programa para intervir prontamente, caso necessário", explicou o porta-voz do governo, Yukio Edano.

As autoridades de Tóquio recomendaram o afastamento das pessoas que vivem na zona dentro de 20 e 30 quilômetros, mas com base voluntária. O Greenpeace, ao contrário, sugere uma extensão de pelo menos 10 quilômetros da zona evacuada.

Enquanto isso, na capital, chegou o presidente francês, Nicolas Sarkozy, primeiro entre os grandes do planeta a se dirigir em visita ao Japão depois do desastre de três semanas atrás. Falando da embaixada da França, Sarkozy propôs uma cúpula dos países do G20, em maio, em Paris, para definir regras internacionais sobre segurança nuclear. Na esperança de esconjurar, no futuro, outras catástrofes como a que está ocorrendo no Japão.

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