12 de abr. de 2011

Denúncia

Tambores salvam a vida dos 12 tripulantes

 

Por José Chirinza, na Beira
Apesar de já estarem em convívio com os seus parentes e amigos, os doze tripulantes moçambicanos sobreviventes do Vega 5, dizem não se sentirem completamente felizes porque o grupo regressou incompleto.
Ao certo ninguém sabe explicar se os restantes 7 tripulantes moçambicanos apontados como desaparecidos estão vivos ou não. Contudo, os seus colegas acreditam que tenham sido mortos no confronto armado que se deu entre os piratas e a marinha de guerra indiana.
Aventam também a possibilidade de terem morrido afogados depois de saltarem ao mar na sequência dos confrontos que culminaram com a sua captura pelas autoridades indianas.
Estes sobreviventes do Vega 5, desembarcaram no Aeroporto Internacional da Beira, na manhã gélida de sábado, caracterizada por chuviscos, o que na tradição local é sinal de bênção.
Abraços, choros de emoção e alegria entre familiares e o ambiente que rodeava o regresso dos 12 tripulantes, cujo barco de pesca pertence à empresa Pescamar havia sido sequestrado por piratas somalis, no dia 27 de Dezembro.
Assim completavam-se a alegria e euforia no seio dos familiares, que se vislumbravam desde o dia em que foi anunciada a lista dos resgatados pela marinha de guerra indiana.
Os 12 tripulantes dizem estarem ainda vivos devido aquilo que denominam de "milagre de Deus e sorte”. Do sofrimento passado nas mãos dos piratas durante os pouco mais de dois meses de cativeiro, dizem querer fazer tudo para esquecer no mais curto espaço de tempo possível
Pese embora a operação da marinha indiana tenha sido a porta da paz e reencontro com os seus familiares, os 12 tripulantes dizem que foi o momento mais doloroso da triste estòria que viveram comparando com os meses que estiveram nas mãos dos piratas.
Sevícias
Naquele instante eles corriam três formas perigo de vida: morte por afogamento, a tiro ou incêndio. Também sofreram sevícias nas mãos dos soldados indianos que os capturaram. Esses maus tratos só terminaram depois da intervenção da missão diplomática de Moçambique na Índia.
Depois de terem sido identificados pelo pessoal diplomático moçambicano, os 12 tripulantes foram desacorrentados, tendo depois prestado declarações junto das autoridades de justiça indiana, no processo crime que está a ser movido contra os piratas somalis.
Durante o tempo em que estiveram no cativeiro, os tripulantes eram usados como escudos humanos em ataques contra embarcações no alto mar. Funcionavam também como serventes dos piratas, confeccionando-lhes refeições e fazendo limpeza.
A operação de salvação foi uma obra de mero acaso, e deu-se quando os piratas atacaram uma embarcação da marinha de guerra da Índia que a confundiram com um navio mercantil. Em resposta, os soldados indianos abriram fogo conseguindo afundar algumas lanchas rápidas que haviam sido libertadas do Vega 5 para a realização da operação de assalto.
Os piratas exigiam um resgate de 20 milhões de dólares. Mas como o governo moçambicano não manifestou interesse em negociar o resgate, os piratas teriam lhes prometido que os libertariam depois de atacarem, com sucesso, três navios O caso indiano, se o ataque tivesse sido bem sucedido, completaria esse número.
O Vega 5 já havia sido transformado em barco mãe, permitindo que acomodasse mais pessoas e lanchas de assalto.
Sequestro
António Félix Joaquim, um dos tripulantes do Vega 5, conta que o seu grupo foi infernizado por 7 piratas armados, que cerca das 12.00 horas do dia 27 de Dezembro atacaram o barco no banco de Sofala, próximo da ilha de Bazaruto, quando a tripulação se preparava para almoçar.
Fazendo-se transportar por uma lancha rápida, os piratas aproximaram-se do Vega 5, ao mesmo tempo que iam disparando contra a embarcação. De seguida um dos piratas introduziu-se no barco e desactivou todo o sistema de comunicações, enquanto os restantes cercavam os tripulantes.
Com lágrimas na face, Joaquim conta que depois da consumação do assalto, os piratas arrancaram-lhes os telemóveis. Já navegando no sentido norte, e com a embarcação sob comando dos piratas, os tripulantes foram avisados de que corriam o risco de morte se desobedecessem a qualquer ordem dos piratas.
“Para a Somália levámos 15 dias a navegar e tivemos duas paragens: primeiro na Tanzânia, e depois no Quénia, onde se juntou o chefe dos piratas", disse.
Chegados à Somália, os 24 tripulantes foram mantidos em cativeiro, primeiro numa base chamada Ardel, onde já se encontravam centenas de outros reféns de diferentes nacionalidades e dias depois numa outra base chamada “ópio”, onde permaneceram poucos dias.
Referiu que no dia 27 de Fevereiro saíram da Somália para a Índia. No percurso atacaram um navio indiano que transportava viaturas, O assalto não foi bem sucedido, mas os piratas conseguiram apoderar-se de alguns tambores de combustível para uso nas lanchas.
O resgate
O confronto armado entre a marinha de guerra indiana e os piratas somalis iniciou por volta das 18.00, horas em águas indianas.
Segundo um dos membros da tripulação, tudo começou quando os piratas avistaram um navio que viria a ser de facto, o vaso da marinha de guerra indiana. Como habitualmente, mandaram os moçambicanos lançar uma lancha para o mar, antes de alguns dos piratas se dirigido imediatamente ao alvo, em posição de ataque.
Passado algum tempo os piratas não haviam ainda dado nenhum sinal, o que levou o seu chefe a enviar um outro grupo. Foi daí que começaram a ouvir-se tiros.
Os outros piratas a bordo do Vega 5 também entraram em acção.
Segundo Domingos Sangazi, outro tripulante, ao aperceberem-se de que estavam numa confrontação com militares, os piratas usaram os seus reféns como escudos humanos para obrigar os fuzileiros indianos a pararem de disparar
Contudo, essa estratégia não funcionou, dia Sangazi. Alguns tiros provinham de armas pesadas. Foi um desses tiros que provocou um incêndio no Vega5, alimentado pela grande quantidade de combustível que se encontrava armazenado.
Com o barco já a afundar e em chamas, os piratas arrancaram os coletes salva-vidas dos reféns e lançaram-se ao mar.
Sangazi diz que quando os 19 reféns do Vega 5 e os 122 piratas pularam para o mar, a embarcação da marinha de guerra indiana estava ainda longe do barco.
Suspirando de alívio, Sangazi diz que o “milagre da sobrevivência da tripulação de parte dos tripulantes deveu-se a um conjunto de tambores de plástico vazios que se encontravam a bordo. Agarrados a esses tambores, os tripulantes conseguiram flutuar no mar até à chegada dos fuzileiros indianos.
Acrescenta que foi quando já estavam desesperados e sem força, continuando agarrados aos tambores, é que os fuzileiros indianos se aproximaram deles, mas continuando a disparar.
Os disparos só viriam a parar quando um dos piratas se rendeu, implorando aos indianos a serem menos agressivos. Seguiu-se depois a operação de salvamento dos sobreviventes, e a sua passagem para a custódia dos indianos.
A tripulação do Vega 5 era constituída de 24 pessoas. Destas, 18 eram moçambicanos, três eram indonésios e dois eram espanhóis.
Os espanhóis ficaram retidos em terra na Somália enquanto os restantes 22 membros da tripulação passavam a operar no mar com os piratas. Sete moçambicanos e dois indonésios são dados como desaparecidos.
“Nós todos estávamos no barco, menos os nossos colegas espanhóis”, diz Sangazi. “Mas no momento em que começamos a saltar para o mar ninguém pensou no outro”.
Diz não saber ao certo se os colegas dados como desaparecidos morreram afogados ou carbonizados, “porque tudo foi rápido, não acredito que estejam vivos".

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