5 de abr. de 2011

Costa do Marfim 

Enquanto isso…

Mais de 500 mortos (NR: e outros 300 nesse final de semana, segundo informação da Cruz Vermelha) e 1 milhão de refugiados no conflito político na Costa do Marfim. Por Gianni Carta. Foto: Jean-Philippe Ksiazek/AFP
Dados oficiais da Cruz Vermelha dão conta que o número de mortos já chega a 800
Laurent Gbagbo será lembrado como mais um líder cegado pelo poder. Na noite do dia 30, o Conselho de Segurança da ONU havia adotado por unanimidade uma resolução exigindo a “retirada imediata” do ex-presidente costa-marfinense derrotado, quatro meses atrás, no escrutínio presidencial. Enquanto isso, as forças de Alassane Ouattara, reconhecido por observadores das presidenciais e internacionalmente como vencedor das eleições em novembro, avançavam em direção ao sul, para Abidjã. A capital econômica do país e bastião de Gbagbo, de 66 anos, poderia ser o cenário de uma guerra civil. Segundo a ONU, desde dezembro houve cerca de 500 mortes, e 1 milhão de pessoas, em sua maior parte residentes de Abidjã, fugiram do país.
Lançada dia 28, a ofensiva militar das Forces Républicaines de Côte d’Ivoire -(FRCI), favoráveis a Ouattara, de 69 anos, mostrava-se eficaz. A captura, na noite do dia 30, de Yamoussoukro foi antes de tudo simbólica. Capital do país apenas no nome, é a cidade natal de Félix Houphouet-Boigny, pai da independência da ex-colônia francesa (1960). Do ponto de vista político, Ouattara, até esta semana a liderar o norte do país, onde obteve maior apoio nas presidenciais, ganha maior legitimidade. Economista com doutorado feito nos Estados Unidos, poderá se mudar do hotel protegido por soldados da ONU para a capital administrativa. Além disso, Abidjã, principal cidade do sul dominado por Gbagbo, encontra-se a apenas 240 quilômetros ao sul.
Outra relevante conquista entre várias das forças ouattaristas foi aquela de San Pedro, maior porto exportador de cacau do mundo. Assim como na capital, também na cidade portuária soldados das Forces de Defénse et de Sécurité (FDS) de Gbagbo teriam se apressado a trocar as fardas por roupas civis usadas, vendidas por comerciantes.
Para defender Abidjã, Gbagbo contará com o apoio de mercenários, em sua maior parte oriundos da vizinha Libéria, segundo um porta-voz da ONU. Os mercenários, informa ainda o porta-voz, têm sido os responsáveis pelas mortes daqueles não leais a Gbagbo.  Em Abidjã, claro, mercenários não são suficientes. Negado o cessar-fogo por Gbagbo, o porta-voz do Estado Maior das Forcas Armadas, Phillippe Mangou, declarou que havia chegado o “momento efetivo” para os milhares de “jovens” alistados na semana passada. Vários deles seriam adolescentes entre 13 e 15 anos.
Uma nova guerra civil poderia ser tão violenta como aquela iniciada em meados de 2002. O país ficou, como se deu após as últimas eleições em novembro, dividido entre o sul, dominado por Gbagbo, e o norte por Ouattara. Nortistas, ainda em 2002, estiveram prestes a conquistar Abidjã, mas foram impedidos por soldados franceses. A divisão se estendeu até 2007, quando uma coalizão passou a governar. Milhares de pessoas morreram nos cinco anos de guerra civil. Desta feita, o conflito seria menos duradouro porque a superioridade militar de Ouattara é óbvia. Desde dezembro suas forças não perderam sequer uma batalha.
A principal raiz da carnificina entre norte e sul na última década é a xenofobia. Em 2002, uma rebelião de muçulmanos nortistas a reivindicar o fim de discriminações contra sua religião precipitou a guerra civil. O mal-estar dos nortistas instalou-se no pleito de 2000, quando a candidatura do muçulmano Ouattara foi vetada sob o argumento de ele ser filho de estrangeiros da vizinha Burkina Fasso. Sublinhe-se: Ouattara já havia sido primeiro-ministro. E Gbagbo, que parece ter inclinações evangélicas, é católico.
Na contenda atual, contudo, o problema não é mais puramente religioso. Para vencer o escrutínio de novembro, Ouattara fez uma aliança de seu partido nortista com uma legenda cristã. E após sua vitória, o católico Guillaume Soro, ex-premier de Gbagbo, aceitou o posto oferecido por Ouattara. No entanto, o nacionalismo dá provas de ter-se acomodado. Gbagbo, orador de fôlego, semeia entre seus conterrâneos contra africanos muçulmanos de países vizinhos, em busca de trabalho na mais afluente Costa do Marfim. Esses africanos têm o mesmo credo dos nortistas, frisa Gbagbo. Ex-aluno da Sorbonne, onde concluiu- um mestrado de história, ele alerta: os colonizadores França e EUA querem tomar o país para usufruir de seu cacau e de outras riquezas naturais.
A política voltou a dividir o país no fim de novembro de 2010, quando o Conselho Constitucional, formado por partidários de Gbagbo, anulou os votos ao norte. E assim conferiu a vitória a Gbagbo. A União Africana, União Europeia e ONU reconheceram o resultado. A partir de então, houve várias tentativas para resolver o problema de forma diplomática. Entre os quatro presidentes em exercício enviados como mediadores à Costa do Marfim tem destaque o atual presidente sul-africano, Jacob Zuma.
Já o último dos mediadores foi rejeitado na semana passada por Ouattara. Motivo: José Brito, ministro do Exterior do Cabo Verde nomeado como negociador pela União Africana é amigo próximo de Gbagbo. Ouattara declarou-se estar “surpreso” com a escolha de Brito. Naufragadas todas as tentativas, Barack Obama entrou em cena no fim da semana passada ao se manifestar: “As eleições no ano passado foram livres e justas”.
Por sua vez, França e Nigéria apresentaram uma projeto de resolução na ONU, adotado nesta semana. A Resolução 1.975, aprovada pelos 15 integrantes do Conselho de Segurança, não somente “exorta” Gbagbo a aceitar a vitória de seu rival, mas também impõe sanções. Entre estas destacam-se o congelamento de bens e o banimento de viagens de Gbagbo, sua mulher e mais três personalidades fiéis.
Ironicamente, os 2 mil capacetes azuis suplementares solicitados pela Missão da ONU na Costa do Marfim (Onuci) não chegavam. De qualquer forma, os 10 mil capacetes azuis que já se encontram no país têm escassa autonomia de ação pelos limites do seu mandato. Inclusive, em Abidjã, onde casos de estupros, tortura e outras atrocidades cometidas pelas milícias contra civis só poderão aumentar em caso de guerra civil.

Gianni Carta

Gianni Carta é jornalista, correspondente de CartaCapital em Paris, escreve sobre coisas da vida do Hemisfério Norte.

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