29 de abr. de 2011

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Carybé por Nancy: Bahia, arte e orixás

Carybé/Divulgação
Para Carybé, era o Brasil. A Argentina não interessava, define a viúva do pintor, Nancy Bernabó
"Para Carybé, era o Brasil. A Argentina não interessava", define a viúva do pintor, Nancy Bernabó
Claudio Leal
De Salvador (BA)
Para celebrar o centenário do pintor Carybé (1911-1997), nascido na Argentina e radicado em Salvador, Cidade da Bahia, o Museu Afro Brasil vai expor, em São Paulo, 19 painéis dos Orixás, pertencentes à coleção do Banco do Brasil BBM S/A e que condensam as décadas de estudo do artista sobre os deuses do Candomblé.
A exposição "Grande Mural dos Orixás - Carybé" será aberta nesta quinta-feira, 28/04, às 19h30, no Afro Brasil, localizado no Parque Ibirapuera.
Terra Magazine publica uma conversa realizada em 2010 com Nancy Bernabó, viúva do pintor, que relembra o universo mítico baiano representado por Carybé em sua obra.
"Ele não desistiu da Bahia, embora tivesse muita proposta da Argentina. Ele queria pintar a Bahia. Queria pintar todas as festas populares. Ele tinha visto a riqueza para ele aqui, como artista", conta Nancy.
Terra Magazine - Como tem sido tratada a obra de Carybé?
Nancy Bernabó
- Ele está sendo ainda muito bem cotado, muita gente procura, não posso me queixar. Porque se esqueceram de muitos pintores, como Floriano Teixeira... E Caybé, não, sempre está sendo lembrado, sempre procuram a obra dele. Não tenho nenhuma queixa com isso. Agora, se ele morasse no Sul... As coisas são mais pra frente lá. Mas ele gostava tanto da Bahia... Daqui, ele não saía por nada na vida.
Ele lhe conheceu na sua cidade natal, na Argentina, onde havia uma mistura étnica, assim como a Bahia...
Sim, de índios e brancos. Mas são os brancos que predominam em Salta. Meu pai foi estudar na América e lá se casou. Então, não tenho assim muito sangue do norte da Argentina. O que é muito interesssante é que Caybé foi pintar lá porque havia gostado das coisas que tinha visto. E aí me conheceu e acabou me "caçando".
Ele era jornalista nessa época?
Também. De jornais, de revistas... Até que ficou só pintor. Isso ele conseguiu aqui, em Salvador.
Carybé teve uma carta de recomendação de Rubem Braga, não é isso? Como era essa amizade?
Eram muito amigos. E Rubem nos recomendou a Anísio Teixeira (educador). Caybé veio, falou com Anísio Teixeira e arranjou uma bolsa. Aí ele pôde ficar uma temporada na Bahia. Depois decidiu ficar. Já tinha conhecido, achou bom viver aqui.
Rubem também compartilhava com ele coisas do cotidiano, o gosto por frutas...
Era, ele nos apresentou a Odorico Tavares (poeta e superintendente dos Diários Associados na Bahia). Tivemos uma boa recepção. Agora, foi meio difícil no começo, como todo mundo que começa a vida em outra cidade, principalmente pra mim.
Onde moravam, logo no início?
No Rio Vermelho. Tivemos uma casinha alugada, depois fomos pra Argentina de novo, porque ele foi fazer uns murais lá... Ele não desistiu da Bahia, embora tivesse muita proposta da Argentina. Ele queria pintar a Bahia. E ele pintou. Queria pintar todas as festas populares. Ele tinha visto a riqueza para ele aqui, como artista.
Foi aí que ele lançou o projeto iconográfico dos orixás?
Pois é. Fez tudo isso, estudou muito, não foi assim à toa. Ele ia lá pro Candomblé, para a Capoeira, era amigo de todos os capoeiristas... Era muito popular entre o povo. Não teve dificuldade nenhuma.
A senhora compartilhava com ele essa atração pela Bahia?
É claro. Eu estranhava. Foi uma mudança muito drástica, porque tinha minha família... Depois eu me acostumei. Hoje em dia, vou voltar pra Argentina? Eu, não. Estou acostumada. Tenho meus filhos, fiz raízes aqui (risos).
A senhora frequentava também o universo do Candomblé?
Frequentava, sim, mas eu nunca fui "feita" como ele, que pertencia (ao Ilê Axé Opô Afonjá). Eu só ia lá porque gostava, mais nada. Eu não era, e não sou, muito crente. Respeitava muito, claro, lógico. Gostava. Me deram lá o nome de Oxum... Sou de Oxum. Foi Mãe Senhora, de quem eu gostava muito, era muito amiga nossa.
Mãe Senhora era durona?
Ela suspeitava das pessoas, logo que conhecia... "Estão vindo aqui pra querer saber os segredos do Candomblé?" Mas depois ela ficou íntima amiga nossa, uma pessoa muito querida.
Depois da morte de Mãe Senhora, Carybé se afastou um pouco do Opô Afonjá?
Ele continuou com Stella (atual ialorixá). Surgiu outra chamada (Mãe) Ondina (sucessora de Senhora), ele não gostava muito. E se afastou um pouco. Jorge (Amado) se afastou completamente. Carybé continuou e depois apareceu Stella, que era candidata de Senhora, e aí foi bom. Foi bom porque até o fim da vida, até um dia antes de morrer, ele ia ao Candomblé.
Havia muitos espaços para os artistas?
Muitos, sim. Muitos artistas daquela época foram prestigiados por Odorico Tavares. Mário, Floriano, Emanoel (Araújo), Jenner (Augusto)... Tivemos uma boa ambientação aqui, uma boa acolhida. Caybé falava português desde criança, porque ele foi criado no Rio de Janeiro. Por isso ele queria voltar para o Brasil. Para ele, era o Brasil. A Argentina não interessava.
Como a senhora define a personalidade de Carybé? Ele tinha um lado aventureiro...
Sim, total. De viajar, de estar pra cima e pra baixo... Mas isso foi no começo do casamento. Depois ele gostava mais de viajar comigo. Eu também tinha criança pequena e não podia ir com ele. Viajar com criança, francamente, não serve (risos).
Qual era o orixá dele?
Oxalá. E de Oxóssi. Mais de Oxóssi do que de Oxalá. Uma mãe-de-santo dizia que era de Oxóssi, outra de Oxalá. Mãe Senhora disse que ele era de Oxóssi.
Vocês foram com Sartre ao Opô Afonjá?
Sim. Sartre gostou até certo ponto, mas acho que ele nunca seria. Minha filha (Solange) sabe mais de Candomblé. Eu nunca me interessei muito. Tinha curiosidade, mas nunca estudei nem tive santo. Cada um faz o que quer, eu não vou me chatear por isso. Carybé também era feito. Senhora prestigiava muito ele e Jorge. Mas Jorge nunca foi feito. Ele ia, voltava, mas nunca foi feito.
 
Claudio Leal
De Salvador (BA)

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