Bolsa-Família pra cá, juros pra lá: o lulismo de Dilma
O COPOM (órgão que define as taxas de juros no Brasil – ou seja,  define a quantidade de sangue que o coração financeiro pode bombear para  as artérias da economia real)  decidiu, pela segunda vez no governo  Dilma, elevar os juros.
Na Bahia, Dilma aumentou o Bolsa-Família bem acima da inflação.
Os dois movimentos são aparentemente contraditórios. Essa  “contradição” (fora do manual clássico dos liberais que dominaram o  governo FHC, e ainda dominam os velhos jornais brasileiros) foi a base  do sucesso de Lula.
Façamos uma parada rápida. E vejamos o texto curto que o site “Carta Maior” destaca em sua capa:
“Dilma corrige os valores do Bolsa Família e dá reajuste real ao benefício recebido por 12,9 milhões de famílias. O menor valor da transferencia de renda passa de R$ 22 para R$ 32; o maior, de R$ 200 para R$ 242. Famílias com filhos foram contempladas com as maiores taxas de aumento real. A reunião do Copom desta 4º feira servirá um ‘lexotan’ aos mercados. Se subir 0,5% a taxa de juro básica, a Selic, oferecerá aos rentistas um ‘tranquilizante’ da ordem de R$ 7,5 bilhões/ano; quase quatro vezes o gasto previsto com o reajuste do Bolsa Família que vai beneficiar 50 milhões de brasileiros pobres. Aguardemos a avaliação da mídia para cada um desses dispêndios fiscais.”
A avaliação da mídia já veio. “Dilma corta de um lado e gasta de outro”, dizem os jornais.
Ok, é um fato. Os jornais só não dizem que subir juros (pra conter  inflação? Mas a inflação não vem em boa parte do aumento do preço de  alimentos, que é mundial?) também é gasto – na medida em que faz  aumentar a já trilionária dívida pública! Mas essa é uma discussão à  parte…
Observemos com calma outro ponto: o governo Lula conseguiu apoio dos  muitos pobres e dos muito ricos. Fez isso com mecanismos como o  “Bolsa-Família” – que retirou milhões de basileiros da indigência, e ao  mesmo tempo ajudou a girar a economia das regiões mais pobres do país.  Ao contrário do que diz o deputado Vacarezza (ele é do PT mesmo?), a  grana do Bolsa-Família não vai pra “cachaça”; vai pra comida, roupa…  Quem visitou o Nordeste nos ultmos anos (e eu tive a felicidade de ir  cinco vezes para o sertão nos últimos quatro anos) percebe como o  comércio local cresceu, gerando uma nova classe média nordestina. Fora  isso, houve a recuperação do salário-mínimo e a reversão da tendência  (que vinha da era FHC) de sufocar o funcionalismo público (com ganhos  salariais e novos concursos na era Lula).
Mas Lula também agradou os muitos ricos. Donos de fábricas e grandes  comerciantes nunca faturaram tanto – graças ao mercado interno  impulsionado pela redução da pobreza. E os rentistas (a minoria ínfima  que aplica dinheiro, pra financiar a dívida do governo) seguiram  ganhando com os juros mais altos do Planeta.
Quem ficou contra Lula? A velha clase média. Arrochada por impostos, e  sem utilizar serviços públicos, essa classe média pensa com o bolso na  maior parte. Sente-se prejudicada por esse arranjo de Bolsa-Família (“é  esmola”, como dizem) + impostos altos + Estado forte. 
Nas semanas anteriores, Dilma tomou medidas variadas na área  econômica, sempre no sentido de frear a tendência expansionista do  segundo mandatode Lula:
- congelou concursos públicos (desagradando a tradicional base sindical lulista entre o funcionalismo);
- deu aumento de salário mínimo abaixo do reivindicado pelas centrais sindicais (mas dentro da regra estabelecida na era Lula);
- subiu juros;
- cortou 50 bilhões de reais do Orçamento.
Os liberais aplaudiram. A esquerda e os sindicalistas ficaram ressabiados.
Agora, as medidas dessa semana mostram  que Dilma segue a mesma fórmula de Lula: um agrado ao “mercado”, aos  rentistas e à velha mídia  (com juros altos e cortes de gastos  públicos), mas sem descuidar da base popular (com aumento acima da  inflação para o Bolsa-Família).
Dilma, ao que tudo indica, seguirá se equilibrando entre os dois extremos da pirâmide social (como fez Lula).
Com uma novidade: o movimento de aproximação com a velha mídia é uma  tentativa de ganhar a simpatia da velha classe média, que votou em  Marina e Serra (e que lê “Veja”, “O Globo”, “Folha”, “Estadão”…)
Quem está de fora desse arranjo por enquanto? Os setores organizados  (sindicatos, trabalhadores do mercado formal), a esquerda tradicional,  os movimentos sociais.
O cálculo de Dilma, parece-me, é de que esses setores no limite  estarão com ela se a coisa apertar. Pode ser arriscado… O presidente da  Força Sindical, Paulinho (PDT), já mandou petardos contra o governo. E  em recente reunião da “Coordenação de Movimentos Sociais”, o presidente da CUT (central organicamente próxima do governo) deu o recado: “este namoro da Dilma com a mídia vai durar seis meses e aí depois o governo virá nos procurar para sustentá-lo, como fez em 2005”.
Há decepção geral, entre setores que apoiaram Dilma de forma decidida  (e decisiva) quando a situação apertou entre o fim do primeiro turno e o  início do segundo. Esses setores sentem-se abandonados pelos primeiros  movimentos de Dilma.
Isso, talvez, não se reflita nas primeiras pesquisas de opinião após  os cem dias inicias de governo. Resta saber se, quando a lua-de-mel com a  velha mídia acabar e Dilma sofrer ataques violentos como os sofridos  por Lula, ela poderá contar com essa base tradicionals do lulismo? Ainda  é cedo pra saber. O certo é que rachaduras se abriram nesses  primeiros meses.

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